Capítulo de difusión
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Brasil
Para além do ano 2000, pensar cinema no Brasil
Doutor e Mestre pela Universidade de São Paulo (USP), formado em cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Seus principais trabalhos acadêmicos são: “O Brasil dos gringos: imagens no cinema” e “Artes e manhas da EMBRAFILME: cinema estatal brasileiro em sua época de ouro” (2000). Tem se especializado no estudo sobre a representação da identidade cultural brasileira no cinema, em artigos publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Orienta alunos na pós-graduação dos cursos de Comunicação, Informação e Imagem e no de Ciência da Arte. Coordena o Laboratório de Investigação Audiovisual (LIA) do Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF. Atualmente, professor titular de Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Brasil.
Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Também é credenciado ao Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual (PPGCine), da UFF. Atua na organização do Cineclube Sala Escura, projeto de extensão do Laboratório de Investigação Audiovisual (LIA), desde 2010. É pesquisador vinculado à Plataforma de Reflexão sobre o Audiovisual Latino-Americano (PRALA) e ao Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual (LUPA). Seus temas de interesse são: cinema latino-americano, história do cinema, crítica cinematográfica e preservação audiovisual. Atualmente, professor do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Brasil.
Amancio, T. y Nuñez, F. (2020). Para além do ano 2000, pensar cinema no Brasil. En L. Zavala y J. Aristizábal Santa (eds.). Los estudios sobre cine en Latinoamérica (2000-2017) (pp. 75-126). Bogotá: Editorial Uniagustiniana.
Resumo
Como têm se desenvolvido os estudos sobre cinema e audiovisual no Brasil? Em 2016, procedemos a uma investigação sobre os principais temas, pesquisadores, publicações, congressos e associações que lidam com o assunto e este é o resultado daquele levantamento que já foi superado em muitos aspectos. O trabalho é um esboço da potência desses estudos na sociedade brasileira e se baseou em fontes diversificadas, embora recorrendo a um recorte que pudesse dar conta de um panorama geral dos elementos de maior expressividade. Sua atualização permanece um desafio, para que se possa mensurar o esforço conjunto para sistematizar e dar visibilidade a este campo de reflexão.
Palavras-chave: estudos cinematográficos brasileiros.
Introdução
Para o cinema brasileiro, os anos 2000 começaram em um cenário que se pode chamar de “pós-Retomada”, depois de superado o impasse da extinção dos órgãos estatais voltados para a atividade, vigente na década de 1990. Se a Retomada foi o recomeço tardio da produção de filmes, a pós-Retomada é configurada através de dois eventos que marcaram o re-engajamento político das categorias profissionais ligadas ao audiovisual. Foram eles a realização do 3º Congresso Brasileiro de Cinema (CBC) em 2000, e a criação da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), em 2003, esta última no mesmo modelo de outras instituições marcadas pelo ideário neoliberal (Barone, 2011).
Um dos itens da agenda política proposta pelo 3º CBC foi a sugestão de se criar um fórum permanente de escolas de cinema e centros de formação profissional para dialogar com o Estado e com o Mercado (FORCINE, 2015), que foi efetivamente criado em 2001 com o nome de Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual (FORCINE). Se as quatro mais tradicionais escolas de cinema — Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) —, criadas desde a segunda metade do século XX, já tinham se consolidado como instituições de ensino, pesquisa e extensão, voltadas para a prática e a reflexão da área, os anos 2000 viram a aparição de muitas escolas de formação para o audiovisual, de nível superior. Assim, já em 2003 tínhamos 22 escolas registradas no Ministério da Educação (MEC), em nível de graduação (cinema, vídeo, audiovisual, imagem e som), com seu foco principal na produção de filmes. Tal evolução acompanhou de perto o crescimento do mercado e a maior disponibilidade dos novos equipamentos digitais de registro e edição. Em 2011, já eram 53, conforme informação do próprio FORCINE, segundo o relatório do projeto Mercado Audiovisual e Formação Profissional: o perfil dos Cursos Superiores em Cinema e Audiovisual no Brasil.1 Se agregarmos a este total, buscado no site oficial de escolas ativas e cadastradas no MEC a partir dos termos audiovisual, cinema, imagem e som, midialogia e animação, definidos como metodologia de busca, outros cursos filiados ao Fórum (ligados às áreas de Comunicação, Artes ou Arquitetura, sem a menção explícita ao cinema ou ao audiovisual no nome), este total aumenta para 87 cursos de graduação em instituições de ensino superior (IES). Dessas, 30% são públicas, e as restantes, privadas.
Existe um único curso de licenciatura2, voltado para a formação de professores da educação básica, e este se encontra na UFF, enquanto que nas instituições privadas é maior a oferta de cursos tecnológicos, uma formação profissionalizante visando áreas específicas. Os restantes são bacharelados, de formação generalista, com base científica ou humanística, voltados para a o exercício de atividade profissional, acadêmica ou cultural.
A incidência maior desses cursos se dá na região Sudeste (59%), seguidos pela região Nordeste (18%), Sul (13%), Centro-Oeste (7%) e Norte (3%). Esta distribuição é importante porque demonstra a territorialização do país em função das necessidades do mercado de trabalho e do potencial de expressão e difusão audiovisual. Neste sentido, por estarem mais perto dos centros de produção e exibição, os estados do Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo) levam visível vantagem sobre, por exemplo, os estados do Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins). Esta geopolítica define a intensidade da atividade cinematográfica no país e, consequentemente, as reservas culturais audiovisuais de que se servirão os estudantes, produzindo textos, teses e artigos de reflexão sobre o cinema e o audiovisual em variadas tonalidades, historiográficas, teóricas e ensaísticas. Até porque nos cursos a maioria dos currículos privilegia o eixo “Realização e Produção”, seguido de “Teoria, Análise, História e Crítica”.
Portanto, o novo século é marcado pela ampla expansão do ensino universitário no Brasil, o que também inclui a pós-graduação. As pesquisas sobre cinema tradicionalmente estão inseridas nos programas de pós-graduação em comunicação, embora também possamos encontrar investigações sobre cinema em áreas como história, artes, letras, ciências sociais, educação, ciência da informação, economia, design e arquitetura. Se até os anos 1980, existiam no Brasil seis programas de pós-graduação em comunicação, em 2013, esse número pulou para 57.3 No entanto, é importante ressaltar que entre esse grande número são, de fato, apenas alguns poucos programas que contam com áreas de pesquisa voltadas especificamente para os estudos de cinema e audiovisual. Assim, segundo a pesquisa citada anteriormente (“Mapa dos cursos...”, 2012), os programas de pós-graduação (PPGs), à época, estavam assim distribuídos: UNISINOS (Universidade do Vale dos Sinos) em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em nível de especialização (em Cinema), mestrado e doutorado em Comunicação; a Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), em Palhoça, em Santa Catarina, em nível de mestrado e doutorado em Ciências da Linguagem; a Faculdade de Artes do Paraná (FAP), atualmente incorporada à Universidade Estadual do Paraná (Unespar), em Curitiba, em nível de especialização em Cinema, com ênfase em produção; a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, em nível de mestrado e doutorado em Comunicação, que além do mais contou com uma especialização em Cinema Expandido até 2011; a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas, São Paulo, com os PPGs em Artes Visuais e em Multimeios, ambos em nível de mestrado e doutorado; a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Carlos, São Paulo, PPG em Imagem e Som em nível de mestrado; a Universidade de São Paulo (USP), na cidade de São Paulo, com o PPG em Meios e Processos Audiovisuais, em nível de mestrado e doutorado; a Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), também no município de São Paulo, com dois cursos de especialização, em Argumento e Roteiro em Cinema e Televisão, e em Produção Executiva para Televisão; a Universidade Anhembi Morumbi (UAM), também na cidade de São Paulo, com PPG em Comunicação, em nível de mestrado e doutorado; a Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, Rio de Janeiro, em nível de mestrado e doutorado em Comunicação; a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com um mestrado em Comunicação e uma especialização em Comunicação e Imagem; o Centro Universitário UNA, em Belo Horizonte, Minas Gerais, com uma especialização em Cinema: Teoria, Pesquisa e Crítica; a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também em Belo Horizonte, com uma linha de pesquisa no PPG de Artes, em nível de mestrado e doutorado; a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, também uma Linha de Pesquisa no PPG de Artes, Cultura e Linguagens, em nível de mestrado; a Universidade de Brasília (UnB), com um mestrado e doutorado em Comunicação; a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife, em nível de mestrado e doutorado em Comunicação e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa, em nível de mestrado em Comunicação. No entanto, ressaltamos que entre todos esses programas, até setembro de 2016, somente três são especificamente voltados aos estudos de cinema e audiovisual, sendo que apenas um em nível de mestrado e doutorado.4
Assim, estes dados nos dão uma medida da expansão do campo de reflexão sistemática sobre cinema e audiovisual no Brasil. Há que se considerar os diferentes níveis de produção escrita, de monografias a dissertações e teses, que nem sempre serão publicadas, juntamente com a produção especialmente bibliográfica, fruto de pesquisas específicas. E também a existência de editoras universitárias capazes de fazer circular sua produção interna, sem a possibilidade de recorrer às grandes editoras ou aos veículos de maior circulação no país. Assim que uma realidade do presente século é o aumento exponencial de pesquisas sobre cinema nas universidades brasileiras. No entanto, do ponto de vista quantitativo, é uma pequena parcela dessas teses e dissertações que alimenta o setor editorial, em publicações editadas, sobretudo, com o auxílio de fundações estaduais de amparo à pesquisa científica. Até 2014, as universidades brasileiras geraram conhecimento sobre cinema em aproximadamente 730 trabalhos acadêmicos, em teses e dissertações, sendo que cerca de 500 foram destinados ao estudo do cinema brasileiro.5 Portanto, ao compararmos os números, constatamos o quanto ainda se publica pouco sobre cinema e, especialmente, sobre cinema nacional no Brasil. Por outro lado, é evidente que em comparação às décadas passadas, são publicados muito mais livros sobre cinema e audiovisual hoje em dia do que antes.
Associações
Os pesquisadores de Cinema e Audiovisual estão agrupados em uma associação chamada Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (SOCINE), criada em novembro de 1996 para promover o intercâmbio de pesquisas e estudos de cinema em suas mais diferentes manifestações. Ela é voltada essencialmente para pesquisadores pós-graduados ou inscritos em PPGs, e hoje conta com mais de 1600 associados. É a SOCINE o principal elo de ligação entre escolas, programas, autores e leitores do que se escreve sobre cinema e audiovisual no Brasil, sendo responsável pela edição de livros (os anais dos encontros ou edições especiais) e a Revista Rebeca (Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual), atualmente em seu oitavo volume.
A reunião anual da SOCINE, mantendo o princípio de circular pelas diferentes regiões do Brasil, se deu em outubro de 2016 na Universidade Tuiuti do Paraná, em Curitiba, no sul do país, sob o tema geral “Convergências do/no cinema”. A abertura do evento contou com uma palestra de Noël Carrol (New York University - NYU), intitulada The Return of Medium Specificity Claims and the Evaluation of the Moving Image, e o encerramento foi feito por William Brown (University of Roehampton, Reino Unido), com sua fala intitulada Cinema and/as Convergence.
A SOCINE, em seus encontros anuais, desenvolve uma metodologia de apoio aos grupos de pesquisa emergentes, reservando em sua agenda um horário especial para apresentação de seus trabalhos. São os seminários temáticos (STs), com duração de dois anos, renováveis por mais dois, que ao lado das mesas e dos painéis (para mestrandos) dão conta da enorme diversidade de temas em discussão. Um olhar sobre a distribuição dos STs demonstra esta pluralidade, através dos grupos constituídos, aprovados para o biênio 2015-2017 (SOCINE, 2016):
- Cinema e América Latina: debates estético-historiográficos e culturais;
- Cinema e Ciências Sociais: diálogos e aportes metodológicos;
- Cinema e educação;
- Cinema e literatura, palavra e imagem;
- Cinema queer e feminista;
- Cinemas em português: aproximações - relações;
- Corpo, gesto, performance e mise-en-scène;
- Exibição cinematográfica, espectatorialidade e artes da projeção no Brasil;
- Interseções Cinema e Arte;
- O comum e o cinema;
- Teoria dos Cineastas;
- Teoria e Estética do Som no Audiovisual.
Nas mesas, compostas de comunicações individuais, estes e outros temas foram desenvolvidos, tais como cinema e animação, cinema, cultura e tecnologia, documentário e interatividade, corporeidades, transmidialidades, ficção televisual brasileira, adaptações, poéticas do documentário, indústria e história, biografias cinematográficas, exemplaridade e devoção nos filmes hagiográficos, fotografia e cinema, hibridações: TV e mídias, fetiche e perversão, cinema e engajamento, confluências pasolinianas, hibridações literárias, devir-cinema, cinema comparado, documentário político, inflexões autobiográficas, políticas de distribuição e mercado, cinema, tecnologia e preservação e muitos outros.
Ressaltamos que, além dos anais do congresso, a SOCINE também publica alguns livros físicos e virtuais (e-books) relacionados ao tema dos congressos, cuja curadoria fica a cargo dos organizadores do evento daquele ano. Além disso, também são editados livros oriundos de pesquisas apresentadas em STs do congresso, que recebem auxílio financeiro para a publicação da SOCINE. Assim, até outubro de 2016, os livros físicos editados com o selo da SOCINE foram World cinema: as novas cartografias do cinema mundial (editora Papirus, Campinas, 2013), organizado por Stephanie Dennison; A sobrevivência das imagens (Papirus, 2015), organizado por Alessandra Soares Brandão e Ramayana Lira de Sousa; e Cinemas em rede: tecnologia, estética e política na era digital (Papirus, 2016), organizado por Gilberto Alexandre Sobrinho, aos quais se somam os livros virtuais (e-books) Televisão: formas audiovisuais de ficção e documentário (São Paulo/Palhoça, Socine/Unisul, 2015), organizado por Dilma Rocha Juliano, Gilberto Alexandre Sobrinho e Miriam de Souza Rossini; Televisão: formas audiovisuais de ficção e documentário - volume II (São Paulo/Campinas/Faro, Socine/Unicamp/Universidade de Algarve, 2012), organizado por Gabriela Borges, Renato Luiz Pucci Júnior e Gilberto Alexandre Sobrinho; Televisão: formas audiovisuais de ficção e documentário - volume 4 (Socine/Universidade de Algarve, 2015), organizado por Gabriela Borges, Vicente Gosciola e Marcel Vieira; Cinema, globalização, transculturalidade (Socine/Unisul, 2014), organizado por Alessandra Brandão, Anelise R. Corseuil e Ramayana Lira; e Cinema e América Latina: estética e culturalidade (Socine, 2016), organizado por Anelise R. Corseuil, Fabián Núñez e Karla Holanda.
Já as diferentes escolas de cinema, cujos professores e pesquisadores se encontram uma vez por ano nos congressos da SOCINE, estão reunidas em uma entidade maior, chamada Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual (FORCINE), uma sociedade civil sem fins lucrativos que congrega e representa de forma permanente as instituições e os profissionais brasileiros dedicados ao ensino de cinema e audiovisual. Segundo o site do FORCINE, atualmente (em novembro de 2019) são 28 as instituições de ensino com cursos na área do audiovisual associadas (FORCINE, s.d.).
Metodologia
Para realizarmos este trabalho foram consultadas as seguintes fontes para a composição da bibliografia, com a prestimosa colaboração dos estudantes Lucas Fratini e Vinicius Spanghero, do Curso de Bacharelado em Cinema da UFF: sites da Cinemateca Brasileira, do Mnemocine, das várias editoras brasileiras a partir das palavras-chave cinema e cinema brasileiro, de algumas bibliografias de textos publicados e de informações avulsas colhidas entre pesquisadores. A natureza da investigação e a extensão do campo consultado possibilitam apenas um pálido dimensionamento do universo escolhido. Também não nos foi possível recuperar todas as antologias ou grupamento de textos; se os limitamos, foi por uma questão metodológica e de facilidade de acesso. Quanto às associações e sua produção, recorremos aos sites da SOCINE e do FORCINE, sempre contando com a providencial ajuda de amigos pesquisadores para dirimir algumas dúvidas.
Se considerarmos apenas a produção bibliográfica que nos foi possível prospectar sobre o campo cinema/audiovisual, sem nos atermos às coletâneas (anais da SOCINE e outros), às reedições (que contaram com autores e livros clássicos), aos catálogos de mostras e festivais (às vezes primorosos estudos sobre matéria cinematográfica editada por Centros Culturais), ou ainda revistas (acadêmicas ou não), teremos uma noção do universo de interesse editorial contemporâneo, aqui apresentado de modo fragmentário, sintético e não intensivo. A seguir, apresentaremos alguns dos itens ligados à extensa bibliografia lançada no período.
Dicionários
Entre as compilações de filmes, autores, diretores, movimentos ou termos técnicos, selecionamos alguns dos mais importantes aparecidos no período. Comecemos pela Enciclopédia do cinema brasileiro, organizada por Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda, editada pelo SENAC de São Paulo em 2000, obra de referência que conta com mais de 700 verbetes temáticos e de personalidades, artistas e técnicos, fartamente ilustrado, atualmente já em sua terceira edição (2012) revista e ampliada. O Dicionário de filmes brasileiros: longa-metragem, de Antônio Leão da Silva Neto, publicado pela Editora do Autor em 2002 (e atualizado em 2009) foi consagrado como o mais completo levantamento sobre a filmografia brasileira, com sinopses, comentários, informações e fichas técnicas completas dos longas nacionais produzidos desde 1908. No domínio acadêmico, o Dicionário teórico e crítico de cinema, escrito por Jacques Aumont e Michel Marie, editado pela Papirus de Campinas, São Paulo, em 2003, significou uma importante contribuição aos estudos de cinema. Já pela coleção Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, surgiu Cinema da Boca: dicionário de diretores, em 2005, organizado por Alfredo Sternheim, atualizando o repertório sobre os realizadores deste importante movimento cinematográfico paulista (a Boca do Lixo). Igualmente seletivo é o livro Grandes personagens da história do cinema brasileiro (1960-1969), de Eduardo Giffoni Flórido, editado no Rio de Janeiro pela Editora Fraiha em 2006, tratando de 71 personagens, com biografia e fotos, de uma época em que o cinema brasileiro, por sua estética, alcançava reconhecimento internacional. O pesquisador Jurandyr Noronha publicou em 2008 duas obras de importância, ambas pela EMC do Rio de Janeiro: Dicionário de cinema brasileiro: de 1896 a 1936, do nascimento ao sonoro e Dicionário de cinema brasileiro: os que vieram de outras terras. Por sua vez, Astros e estrelas do cinema brasileiro, de Antônio Leão da Silva Neto, foi lançado em 2010 pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e, no mesmo ano, o autor e a editora lançaram o Dicionário de fotógrafos do cinema brasileiro. É também Antônio Leão quem publicou, em 2011, pelo IBAC paulista, o Dicionário de filmes brasileiros: curta e média-metragem, catalogando os exemplares desses formatos considerados menores pela indústria, mas universos potentes da renovação e da criatividade. Frisamos que em 2016, Antônio Leão realizou uma campanha de financiamento coletivo (crowdfunding) na Internet para publicar seu dicionário da produção filmográfica brasileira em Super-8. A enciclopédia dos monstros, de Gonçalo Júnior, editada no Rio de Janeiro pela Ediouro em 2012, não se atém apenas ao cinema, ampliando seus limites exploratórios. Em 2013 saiu o Dicionário de cinema brasileiro: filmes de longa-metragem produzidos entre 1909 e 2012, de Mauro Baladi, pela Editora Martins Fontes de São Paulo.
Todas estas (e eventuais esquecimentos) são contribuições importantes à catalogação de formatos, personalidades e temas do cenário cinematográfico brasileiro.
Aqui cabe ressaltar a importância de uma coleção chamada Aplauso, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (IMESP), que lançou livros em papel e os disponibilizou on-line (Coleção Aplauso, s. d.). Sob a curadoria do crítico de cinema Rubens Ewald Filho, a coleção foi iniciada em 2004, sendo dividida nas séries Perfil, Teatro Brasil, Cinema Brasil, Dança e TV. Em relação ao cinema e à TV, as séries se dividem em publicação de roteiros de filmes brasileiros, coletâneas de artigos de críticos de cinema, dicionários sobre personalidades do cinema brasileiro e estudos monográficos sobre diretores, atores e atrizes. Até outubro de 2016, o catálogo dedicado ao cinema era composto por mais de 50 títulos. Frisamos que um dos sucessos da Coleção Aplauso é o preço acessível dos livros físicos, além da política de download gratuito de todas as obras da coleção pelo site da IMESP. Assim, é possível encontrar na Internet biografias de artistas, cineastas e dramaturgos para baixar, além de roteiros de cinema, peças de teatro e a história de diversas emissoras de TV. Todo o acervo digital pode ser acessado gratuitamente. São muitas as personalidades apresentadas, como Alfredo Sternheim, Ana Carolina, Anselmo Duarte, Carla Camurati, Carlos Reichenbach, Fernando Meirelles, Inácio Araújo, Ivan Cardoso, Jece Valadão, Jorge Bodanzky, Leila Diniz, Luiz Sérgio Person, Maurice Capovilla, Orlando Senna, Ruth de Souza, Wladimir Carvalho, Zelito Vianna, apenas para citar alguns. Quanto aos roteiros publicados, são de uma safra recente, ideais para estudos comparativos: “Antes que o mundo acabe”, “Batismo de sangue”, “Bens confiscados”, “Cidade dos homens”, “Chega de saudade”, “Como fazer um filme de amor”, “Dois córregos”, “É proibido fumar”, “Estômago”, “Feliz ano velho”, “Feliz Natal”, “O ano em que meus pais saíram de férias”, “O caso dos irmãos Naves”, “O céu de Suely”, “Quanto vale ou é por quilo?”, “Salve geral” e muitos outros.
Documentários
Um dos principais temas que ganharam bastante visibilidade desde meados dos anos 1990 é o documentário. Podemos afirmar que se trata de um fenômeno mundial, e no Brasil não é diferente. Trata-se de um fenômeno que encontramos no aumento da produção de filmes de um gênero tradicionalmente pouco absorvido pelo mercado. E não é apenas nas telas que o gênero documentário conquistou mais visibilidade — também nos meios acadêmico, cultural e no mercado editorial. Logo, o número de livros, pesquisas universitárias e mostras de filmes dedicados exclusivamente ao cinema não ficcional e/ou a determinados documentaristas sinaliza esse aspecto. Outro sintoma desse fenômeno é a presença, nas grades curriculares dos cursos de Cinema, de disciplinas (optativas e, em vários casos, obrigatórias) dedicadas exclusivamente ao documentário. O mesmo podemos encontrar em PPGs, uma vez que vários pesquisadores se dedicam a estudar o gênero — e, não por acaso, são as suas pesquisas que alimentam o mercado editorial sobre documentários. Além disso, não podemos deixar de mencionar a importância conquistada pelo Festival Internacional de Documentários É tudo verdade / It’s all true, realizado anualmente desde 1996. Trata-se do principal festival no Brasil dedicado inteiramente ao gênero e, por conseguinte, a janela mais relevante a esse tipo de filme no país. Sob a curadoria do crítico Amir Labaki, o festival ainda possui atualmente um programa, apresentado por seu curador, no Canal Brasil (o principal canal por assinatura dedicado exclusivamente ao cinema brasileiro), além de ter editado, em duas versões, o livro intitulado O cinema do real (Cosac Naify, São Paulo, primeira edição em 2005 e segunda edição em versão portátil em 2014). Organizada por Labaki e Maria Dora Mourão, professora titular da USP, a obra reúne textos de vários pesquisadores que abordam as principais discussões levantadas no festival, além de uma parte dedicada à produção documental latino-americana. A sua reedição quase dez anos depois, uma vez que o livro se encontrava esgotado, demonstra o quanto a obra se tornou uma referência para a área. Posteriormente, Labaki publicou mais três livros de sua autoria: É tudo verdade: reflexões sobre a cultura do documentário (editora Francis, São Paulo, 2005), uma coletânea de artigos do crítico; Introdução ao documentário brasileiro (Francis, São Paulo, 2006), a rigor, uma brevíssima história do cinema documentário brasileiro, e É tudo cinema - 15 anos de É tudo verdade (São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010), dedicada à memória do festival, com histórias de bastidores e fotos das edições do certame. Também organiza o livro A verdade de cada um (Cosac Naify, São Paulo, 2015), que reúne textos de documentaristas estrangeiros e brasileiros, de pioneiros do gênero, como Flaherty e Vertov, a contemporâneos como Jian Zhang-Ke e João Moreira Salles. Como podemos ver, apesar de Labaki estar fora do meio acadêmico, seus livros são importantes fontes de consulta, graças ao prestígio de seu trabalho na difusão do documentário no Brasil.
Diante da recente valorização do documentário, foi reeditado o livro Cineastas e imagens do povo (Companhia das Letras, São Paulo, 2003), de Jean-Claude Bernardet. Trata-se de uma obra considerada “clássica”, esgotada durante mais de uma década, fruto de uma pesquisa pioneira sobre o documentário brasileiro dos anos 1960 e 1970, oriundo de um curso em âmbito de pós-graduação lecionado por Bernardet na USP na década de 1980. A nova edição recebeu um acréscimo de dois textos, um sobre o documentário histórico dos anos 1980, abordando a obra de Silvio Tendler e Ana Carolina, e o outro, sobre o uso da entrevista no documentário brasileiro contemporâneo. Outras obras que se tornaram referenciais na academia são O espelho partido: tradição e transformação do documentário (Azougue, Rio de Janeiro, 2004), de Silvio Da-Rin, versão em livro de uma dissertação de mestrado em Comunicação e Cultura defendida na UFRJ em 1995, que já era bastante citada por ser uma das primeiras pesquisas acadêmicas no Brasil a dialogar com as teorias de Bill Nichols, e Documentário no Brasil: tradição e transformação (Summus, São Paulo, 2004), organizado por Francisco Elinaldo Teixeira, que reúne textos de vários pesquisadores, ao buscar traçar um panorama histórico do documentário no cinema brasileiro. Não podemos deixar de assinalar o fato de ambos os livros terem sido lançados no mesmo ano e possuírem o mesmo subtítulo, o que demonstra uma sincronicidade no interesse pelo tema sob um viés, sobretudo, histórico. Outras obras dedicadas à reflexão sobre o cinema não ficcional são Mas afinal... o que é mesmo documentário? (Senac, São Paulo, 2008), de Fernão Pessoa Ramos, professor titular da Unicamp, que aborda os principais aspectos teóricos sobre o documentário, voltando-os para o cinema brasileiro, e Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo (Zahar, Rio de Janeiro, 2008), de Consuelo Lins e Claudia Mesquita, que tece reflexões sobre o então “estado das coisas” no Brasil sobre documentário, a partir do aumento de interesse por esse gênero audiovisual pelo público (e pelos pesquisadores). Outra obra que constata o crescimento do gênero em nossas telas é Documentário nordestino: mapeamento, história e análise (Annablume, São Paulo, 2008), de Karla Holanda, originalmente uma dissertação de mestrado defendida na Unicamp, que analisa a produção documental nos estados brasileiros da Região Nordeste, de 1994 a 2003. Sobre a mesma região, mas sob um viés histórico, mencionamos o livro Dos homens e das pedras: o ciclo do cinema documentário paraibano (1959-1979) (EdUFF, Niterói, 1998), de José Marinho.
Considerado um dos principais documentaristas brasileiros, Eduardo Coutinho é objeto de estudo de várias pesquisas. Algumas delas foram transformadas em livros. São os casos de O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo (Zahar, Rio de Janeiro, 2007), de Consuelo Lins, professora da UFRJ e documentarista; Edifício Master: um estudo sobre faceem entrevistas de cinema documentário (EDUC, São Paulo, 2013), de Maria Estela Maiello Modena, inicialmente uma dissertação de mestrado em Letras apresentada à PUC-SP; e A personagem no documentário de Eduardo Coutinho (Papirus, Campinas, 2014), de Claudio Bezerra, originalmente uma tese de doutoramento em Multimeios defendida na Unicamp. De origem não acadêmica é Eduardo Coutinho: o homem que caiu na real (Cineclube da Feira, Santa Maria da Feira, 2003), do crítico Carlos Alberto Mattos. Por sua vez, uma obra que podemos dizer que já nasceu incontornável sobre o cineasta em questão é Eduardo Coutinho (Cosac Naify, São Paulo, 2013), organizado por Milton Ohata, publicado em homenagem aos 80 anos do realizador. Em suas 704 páginas, o livro reúne textos originais do próprio cineasta, além de ensaios e depoimentos de colaboradores em suas produções audiovisuais.
Preservação
A preservação audiovisual pode ser considerada uma área de estudo que praticamente ainda não foi absorvida pelo mercado editorial – embora trate-se de um tema que ganhou destaque nas pesquisas sobre cinema brasileiro nas universidades, o que demonstra um maior interesse pelo assunto no país, produzindo, por conseguinte, uma reflexão em língua portuguesa em uma área cuja expressa maioria do conhecimento se encontra em idiomas estrangeiros. O debate em torno da preservação audiovisual inaugurou o novo século, não somente por conta da transição tecnológica do fotoquímico para o digital, mas também devido à crise da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 2002, que mobilizou o setor e a classe cinematográfica brasileira. Por sua vez, em termos de políticas públicas, encontramos uma ambiguidade no Ministério da Cultura (MinC) durante os dois mandatos presidenciais de Lula. Testemunhamos, sob a alçada do mesmo ministério, a existência de políticas públicas de descentralização da produção audiovisual e de ações afirmativas, enquanto que no âmbito da preservação audiovisual constatamos um forte investimento e centralidade em uma única instituição pública, a Cinemateca Brasileira, que reivindicava para si a totalidade de uma política de preservação audiovisual de caráter nacional. O salto qualitativo da Cinemateca Brasileira foi inconteste no começo do século XXI - no entanto, a indisposição ao diálogo e, por conseguinte, o descrédito em uma ação em rede e a falta de continuidade de uma equipe técnica (fruto de uma lógica de ações por projetos) geraram um profundo ônus à área, somado aos desgastes inerentes a um processo de confronto com profissionais da área. A criação da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), em 2008, que reúne profissionais de arquivos públicos e privados, foi fruto dessa mobilização. Por sua vez, a difícil situação na qual a Cinemateca Brasileira veio a estar, após a exoneração em janeiro de 2013 da direção que ficou à frente do arquivo por pouco mais de uma década, apareceu como uma “bomba-relógio” que já tinha sido prevista por alguns de seus críticos. Portanto, é sintomático que na virada dos anos 2000/2010, várias pesquisas sobre preservação audiovisual tenham ocorrido, pois o tema se encontrava candente e o meio em busca de mobilização. Trata-se de um campo praticamente virgem para textos em Português: estudos de caso de acervos, reflexão teórica sobre preservação e restauração de obras audiovisuais, a história das nossas cinematecas; em suma, é uma área que apenas ensaia o seu campo de estudos.
A rigor, um dos primeiros livros sobre o tema foi A cinemateca brasileira: das luzes aos anos de chumbo (EdUnesp, São Paulo, 2010), de Fausto Douglas Correa Júnior. Inicialmente, uma dissertação de mestrado em História, defendida na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2007, a obra aborda os anos iniciais da Cinemateca, de sua fundação em 1949 até o recrudescimento do regime militar em 1968. Sua pesquisa é focada, sobretudo, na inter-relação entre a instituição e a atividade cineclubística. No âmbito acadêmico, um estudo pioneiro é a tese de livre-docência de Maria Rita Galvão defendida na USP em 1991, intitulada Projeto centro(s) regional(ais) de preservação do acervo cinematográfico latino-americano. Sua tese é fruto de um projeto realizado pela Fundación del Nuevo Cine Latinoamericano (FNCL), quando Galvão atuava na Cinemateca Brasileira, com vias a coletar dados sobre a situação do acervo filmográfico na América Latina e, desse modo, propor medidas de salvaguarda. Em 2009, após a dissertação de Correa Júnior, mais duas pesquisas dedicadas à história do arquivo paulista foram defendidas por dois de seus funcionários de carreira, a saber, A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil, tese de doutoramento de Carlos Roberto de Souza, e A experiência brasileira na conservação de filmes: um estudo de caso, dissertação de Fernanda Coelho, ambas defendidas na USP. Por sua vez, a Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, é objeto de estudo da dissertação A preservação cinematográfica no Brasil e a construção de uma cinemateca na Belacap: a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1948-1965), de José Quental, então funcionário da instituição, defendida na UFF em 2010. Também podemos encontrar pesquisas sobre outras instituições de guarda ou estudos de caso sobre determinados acervos: a dissertação Rastros de perícia, método e intuição: descrição do arquivo Paulo Emílio Sales Gomes, de Olga Futemma, funcionária de carreira da Cinemateca Brasileira, defendida na USP em 2006; Preservação e restauração cinematográficas no Brasil: a restauração do acervo de Hikoma Udhiara, de Caio Júlio Cesaro, tese de doutorado em Multimeios defendida em 2007 na Unicamp; Entre memória e preservação: uma etnografia sobre a implantação da Cinemateca Capitólio em Porto Alegre, de Simone Rolim Moura, dissertação em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defendida em 2008; a dissertação Filmes domésticos: uma abordagem a partir do acervo da Cinemateca Brasileira, de Lila Silva Foster, defendida em 2010 na UFSCar; Laboratório Cinema e Conservação: conservação preventiva e gerenciamento da informação de Jussara Vitória de Freitas, dissertação defendida em 2010 na Escola de Belas Artes da UFMG, e As ondas de destruição: a efemeridade do artefato tecnológico e o desafio da preservação audiovisual, dissertação de mestrado em Memória Social defendida em 2013 na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Os casos de restauração de filmes brasileiros também foram abordados em dissertações como Entre grãos e pixels, os dilemas éticos na restauração de filmes: o caso Terra em transe, de Marco Dreer Buarque, defendida em 2011 no Mestrado Profissional em História, Políticas e Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ); Mulher: a trajetória do som do primeiro longa-metragem synchronizado da Cinédia, de Joice Scavone Costa; e Materialidade e espectatorialidade do DVD: a Coleção Joaquim Pedro de Andrade, de Roberto Souza Leão, ambas defendidas na UFF. Por fim, não podemos deixar de frisar o primeiro estudo sistemático sobre políticas públicas na área de preservação audiovisual no Brasil, a tese de doutoramento em Política e Sociedade intitulada Políticas para a preservação audiovisual no Brasil (1995-2010) ou: “para que eles continuem vivos através de outros modos de vê-los”, de Laura Bezerra, defendida na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 2014. E sobre o diálogo (ou a falta dele) entre o campo da preservação audiovisual e as políticas de patrimonialização, citamos a tese de doutoramento em Memória Social intitulada Em territórios do patrimônio cinematográfico: cinema, memória e patrimonialização, de Renata Queiroz Soares, defendida na UNIRIO em 2014.
Roteiros, adaptações, literatura
A interface entre literatura e o cinema continua disputando o interesse de estudantes e profissionais do ramo dos espetáculos audiovisuais, por ser um domínio em que se mesclam as mais diversas teorias, reivindicando a independência das técnicas e os modos de expressão de uma com relação ao outro. Apesar de constituírem sistemas semióticos distintos, essas modalidades narrativas se cruzam e se tangenciam, proporcionando leituras variadas. Entre as mais importantes do período, registramos Literatura, cinema e televisão (Senac, São Paulo, 2003), coletânea organizada por Tania Pellegrini e outros, no qual se destaca o artigo de Ismail Xavier intitulado Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema. No mesmo sentido, foi publicada a coletânea Narrativas ficcionais: da literatura às mídias audiovisuais, organizada por Suely Fadul Villibor Flory e lançada em 2003 pela Arte & Ciência, de São Paulo. Em 2007 foi editado o livro O chão da palavra: cinema e literatura no Brasil, de José Carlos Avellar, no Rio de Janeiro, pela Editora Rocco; e no ano seguinte a Editora da UFMG de Belo Horizonte colocou no mercado o igualmente importante A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação, de Robert Stam. No mesmo ano, José Roberto Sadek lançou Telenovela: um olhar do cinema pela Summus, de São Paulo, livro em que compara a estrutura dramática do cinema clássico com a das telenovelas, centrado no estudo das narrativas. O ano 2008 também foi quando Roteiro para as novas mídias, de Vicente Gosciola, foi editado pelo Senac, de São Paulo.
A especificidade do imaginário nordestino é dissecada por Sylvie Debs em Cinema e Literatura no Brasil: os mitos do sertão, emergência de uma identidade nacional, posto em circulação pela Editora C/Arte, de Belo Horizonte, em 2010, assim como a Editora Mirabolante, do Rio de Janeiro, lançou o livro Da literatura para o cinema, de Julio Alfradique e Carla Lima, no mesmo ano. Outra importante contribuição veio em 2014 com o livro Literatura e Cinema: encontros contemporâneos, organizado por Ana Maria Lisboa de Mello, lançado pela Editora Dublinense, de Porto Alegre.
Ao lado das adaptações, e nem sempre podendo negar sua filiação literária, o campo dos estudos de roteiro (ou “roteirismo”, na versão brasileira de Syd Field) teve um enorme desenvolvimento. Foram lançamentos e reedições que tornaram o assunto dos mais visíveis e atuais, principalmente nos últimos anos, depois da sanção da Lei Federal nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, que obrigou os canais de TV por assinatura a veicularem um certo volume de conteúdo brasileiro em suas grades de programação. Isto acelerou o processo de produção de programas e séries, abriu a possibilidade da inscrição de novos roteiristas no mercado e, consequentemente, da ampliação do campo editorial sobre o assunto. Em 2001, contamos com Me alugo para sonhar, de Gabriel García Márquez, pela Casa Jorge, do Rio de Janeiro; em 2002, com Escrevendo curtas, de Luiz Gustavo Bayão (LGB Comunicações. Rio de Janeiro); e o manual prático Como formatar seu roteiro, de Hugo Moss, pela editora Aeroplano, também do Rio. Em 2003 apareceu uma obra ainda mais substancial: O poder do clímax, de Luis Carlos Maciel, pela editora paulista Record. No ano seguinte foi a vez de Vende-se em 30 segundos: manual do roteiro para filme publicitário, escrito por Tiago Barreto e editado pelo Senac, de São Paulo. Então veio a reedição de A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores, de Christopher Vogler, da Nova Fronteira, do Rio de Janeiro, em 2006; também no mesmo ano, Linda Seger apareceu com o seu Como criar personagens inesquecíveis, pela Editora Bossa Nova. No mesmo ano, Felipe Moreno, a partir de fundamentos da psicanálise, lançou Dupla personalidade para um roteiro, pela Célebre Editora, de São Paulo.
Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiro, o já clássico manual de Robert McKee foi relançado pela Arte & Letra, de Curitiba, em 2007, enquanto Flavio Campos apresentou no mesmo ano o seu Roteiro de cinema e televisão, pela Zahar carioca. Linda Seger lançou, no mesmo ano 2007, dois de seus livros: A arte da adaptação: como transformar fatos e ficção em filme, e Como aprimorar um bom roteiro, ambos pela já mencionada Editora Bossa Nova. Comprovando a eficiência de seu esforço pioneiro, Doc Comparato lançou em 2009 mais uma edição do seu já clássico Da criação ao roteiro, o primeiro livro brasileiro de sucesso sobre o assunto, agora pela Summus. No mesmo ano, a prolífica Linda Seger, acompanhada por Edward J. Whetmore, lançou Do roteiro para a tela, novamente pela Bossa Nova. Diretamente do meio acadêmico, Roberto L. Duarte, da UFBA de Salvador, viu editado o seu Primeiro traço: manual descomplicado de roteiro, em 2009; e Sérgio Puccini Júnior, também da academia, lançou pela Papirus de Campinas, no mesmo ano, o Roteiro de documentário. Syd Field foi editado pela Arte & Letra de Curitiba com o seu Roteiro: os fundamentos do roteirismo, em 2009, mesmo ano de Manual de Roteiro, ou manuel, o primo pobre dos manuais de cinema & tevê, de Newton Cannito e Leandro Saraiva, em sua reedição do sucesso lançado em 2004 pela Conrad de São Paulo. No mesmo ano, Mário Alves Coutinho lançava o seu Escrever com a câmera, a literatura cinematográfica de Jean-Luc Godard, em Belo Horizonte, pela Crisálida.
Em 2011 saiu pela Zahar o Por dentro do roteiro: erros e acertos em Janela Indiscreta, Guerra nas Estrelas e outros clássicos do cinema, de Tom Stempel. Uma obra curiosa, que verifica em profundidade o problema da transcriação, é o livro Adaptação intercultural: o caso de Shakespeare no cinema brasileiro, de Marcel Vieira Barreto Silva, publicado pela EDUFBA, de Salvador, em 2013. Cinema e cordel: “jogo de espelho”, de Sylvie Debs, editado em Fortaleza pela Interarte Editora/ Lume Filmes, em 2014, atualiza e amplia a questão já estudada em Cordel, Lampião e cinema na Terra do Sol de Adriana Cordeiro Azevedo, editada pela Ferreira Studio, do Rio de Janeiro, em 2004. Roteiro de roteiro, de Roman Bruni, teve sua 4ª edição lançada pela Conexão.Net, do Rio de Janeiro, em 2015.
Mercado
O campo de estudos sobre mercado e perspectivas industriais só muito recentemente passou a ser objeto de uma investigação acadêmica mais sistemática. Assim, já podemos identificar a evolução de uma reflexão sobre as políticas estatais, as contradições do mercado brasileiro, os esforços de independência, os erros e acertos das experiências de intervenção em um terreno historicamente ocupado pelo produto estrangeiro. Destas incursões intelectuais aqui listadas, excluímos quase que integralmente a vertente televisiva, por ser pensada quase que como um domínio à parte, por mais que as relações cinema X televisão tenham se estreitado desde o início do atual século.
Alguns dos principais estudos sobre o mercado que envolvem políticas públicas, distribuição e exibição são: Cinema, desenvolvimento e mercado, de Paulo Sergio Almeida e Pedro Butcher, publicado no Rio de Janeiro pela Editora Aeroplano, em 2003; Cinema digital, um novo cinema? e A hora do cinema digital, de Luiz Gonzaga Assis de Luca, ambos editados pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, na coleção Aplauso, respectivamente em 2004 e 2009; em 2007, pela Marco Zero de São Paulo, o documentarista Mario Kuperman lançou Fracasso de bilheteria: três ensaios sobre a difusão da cultura no Brasil, abrangendo educação, exibição e difusão. De André Piero Gatti tivemos A distribuição comercial cinematográfica e A exibição cinematográfica ontem, hoje e amanhã, editados pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo através do Idart (departamento de informação a documentação artísticas), ambos em 2008; e do mesmo autor, em 2010, Cinema e mercado, editado também em São Paulo pela Escrituras-Iniciativa Cultural. Entre as reedições notáveis, temos o seminal Estado e cinema no Brasil, de Anita Simis, editado em São Paulo pela Annablume em 2008.
A partir de 2009, se viu nas livrarias uma coleção voltada exclusivamente para a indústria cinematográfica e audiovisual brasileira. Editada em São Paulo pela Escrituras, a coleção era composta pelos livros Cinema e políticas de estado: da Embrafilme à ANCINE, escrito por Melina Marson (Volume I, 2009); Cinema: Economia política, (Volume II, 2010); e Cinema e Mercado (Volume III, 2010) – estes dois últimos organizados por Alessandra Meleiro. Em 2010, Hadija Chalupe da Silva lançou O filme nas telas - a distribuição do cinema nacional, pela Ecofalante, de São Paulo, ao mesmo tempo em que Leandro Valiati apresentou Economia da cultura e cinema: notas empíricas sobre o Rio Grande do Sul, pela mesma editora. Os cenários tecnológicos e institucionais do cinema brasileiro na década de 90, de João Guilherme Barone Reis e Silva, foi publicado em 2009 pela Sulina, de Porto Alegre, revendo aquele período de grandes rupturas e transformações na atividade cinematográfica.
Filmbusine$$, o negócio do cinema, organizado por Adriana Dias e Letícia de Souza Barbosa em 2010, e editado pela Elsevier, traz artigos do diretor da Sony Pictures, do atual diretor da Cinépolis no Brasil e de vários produtores sobre o ciclo de colocação do produto-filme nas grandes telas, do Rio de Janeiro.
Já em 2012 surgiram Políticas públicas e regulação do audiovisual, organizado por Rafael dos Santos e Angelica Coutinho para a Editora CRV, de Curitiba; Cinema brasileiro no século 21, de Franthiesco Ballerini, lançado em São Paulo pela Summus Editorial; e Discursos, políticas e ações: processos de industrialização do campo cinematográfico brasileiro, escrito por Lia Bahia e editado pelo Itaú Cultural/Iluminuras em São Paulo. Em 2013, Arthur Autran lançou o seu O pensamento industrial cinematográfico brasileiro, em São Paulo, pela Huicitec, precedido por Marcelo Ikeda, que em 2013 demonstrou como captar recursos para o audiovisual com o seu Leis de incentivo, lançado pela WSET Multimidia em 2013 - livro que se ampara no seu Lei da ANCINE comentada, de 2012, da mesma WSET, para analisar as políticas públicas para o cinema. É também Marcelo Ikeda quem discorre sobre o Cinema de garagem: um inventário afetivo sobre o jovem cinema brasileiro do século XXI, livro lançado também pela WSET, em 2011, na Mostra de Tiradentes. Escrito em parceria com Dellani Lima, Cinema de garagem apresenta um primeiro mapeamento das características do chamado “novíssimo cinema brasileiro”. Por fim, também de Ikeda, temos Cinema brasileiro a partir da Retomada: aspectos econômicos e políticos, lançado em 2015, pela Summus Editorial paulista.
Salas de exibição
Quanto à exibição, os trabalhos geralmente se detêm na recuperação de salas de cinema de prestígio no passado, seja por sua localização, arquitetura ou mesmo por atender a nichos de mercado. Entre os trabalhos mais relevantes está O rei do cinema: a extraordinária história de Luiz Severiano Ribeiro, o homem que multiplicava e dividia, sobre o patriarca do Grupo Severiano Ribeiro, o “imperador dos cinemas”, empresário que foi dono da maior cadeia de salas de exibição do Brasil, uma trajetória que se confunde com a própria história do cinema brasileiro. O livro, escrito pelo jornalista Toninho Vaz, foi editado pela carioca Record, em 2008. Em 2011, foi publicado pela Apicuri, também do Rio de Janeiro, Salas de cinema Art Déco no Rio de Janeiro, de Renato Gama e Rosa Costa, da Apicuri, sobre a identidade conseguida pelas salas de cinema cariocas ao adotarem o modelo de luxo europeu e do glamour americano, dotando-se do charme e da elegância das linhas art-déco. Em 2012 apareceu Cine Bijou, de Marcelo Coelho e Caco Galhardo, editado em São Paulo pelo SESC e pela Cosac Naify, um retrato revelador sobre a sala especializada em filmes de vanguarda na capital paulista. De lá também veio Cinema japonês na Liberdade, o bairro reduto de imigrantes japoneses e seus descendentes na cidade de São Paulo, responsável pela manutenção dos laços culturais de sua comunidade e pela difusão do melhor do cinema nipônico no Brasil. O livro foi escrito pelo antropólogo Alexandre Kishimoto, e lançado pela editora paulista, Estação Liberdade, em 2013. Seguindo os estudos históricos sobre exibição no Brasil, também destacamos o livro Cinematographo em Nictheroy: história das salas de cinema de Niterói (lançado pela Niterói Livros/INEPAC, em 2012), de Rafael de Luna Freire, fruto de uma pesquisa aprovada em um edital público sobre a memória do Estado do Rio de Janeiro, sendo uma obra pioneira ao estudar a exibição cinematográfica na antiga capital do estado. Na mesma seara, temos a obra A segunda Cinelândia carioca: cinemas, sociabilidade e memória na Tijuca, já publicada em duas edições (Rio de Janeiro, 1ª edição por Multifoco, 2010, e 2ª edição por Mórula, 2012), de Talitha Ferraz.
Inter e Multidisciplinaridades
Estes termos são aqui utilizados quando as obras que pensam as relações entre diferentes campos do conhecimento, com ou sem atravessamentos, são a primeira utilização do cinema em sala de aula ou em contextos específicos (congressos, cineclubes, associações diversas) e geram um volumoso conjunto de reflexões sobre a potência dos filmes. Organizamos algumas dessas temáticas, com grande impacto na circulação social.
Esporte
Começamos com O esporte vai ao cinema, de Victor Andrade de Melo e Fábio de Faria Peres, editado pelo SENAC (São Paulo) em 2005. Em 2006, o mesmo Victor Andrade de Melo lançou Cinema e esporte: diálogos, desta vez pela Editora Aeroplano. O jornalista e crítico cinematográfico Luiz Zanin Oricchio lançou Cinema e futebol no Brasil: fome de bola, pela Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, também em 2006. Já Esporte e cinema: novos olhares, organizado por Victor Andrade de Melo e Maurício Drumond, foi publicado pela Apicuri, do Rio de Janeiro, em 2009.
Cinema Psi
Delírio, um novo conceito projetado em cinemas, uma obra que engloba psiquiatria, semiótica e cinema, foi lançada em 2002 pela Via Lettera, de São Paulo, escrita por José Paulo Fiks; Voz na luz: psicanálise e o cinema, escrito pela psicanalista Dinara Machado Guimarães, que explora a voz como elemento comum e central entre os dois campos, foi editado pela editora carioca Garamond em 2004. Em 2006, foi a vez de O psicanalista vai ao cinema, de Sérgio Telles, editado na Paraíba pela Casa do Psicólogo. Entrando no universo diegético, A fala e a fúria: a imagem do psicopata do cinema, de Ana Lúcia Modesto, veio da Argumentum, de Belo Horizonte, em 2008. O psicólogo e escritor Jacob Pinheiro Goldberg detalhou sua leitura da mídia em uma chave de interpretação social em Psicologia em curta-metragem, da editora Novo Conceito, de São Paulo, em 2008. No ano seguinte apareceu Imagens do pai no cinema: clínica da cultura, escrito por João Fantini e disponibilizado pela EdUFSCar. Já Cinema e loucura, de Elie Cheniaux e J. Landeira-Fernandez, ilustra com filmes as manifestações de transtornos mentais associados aos seus personagens. O livro foi editado pela ARTMED, de Porto Alegre, em 2010. Ainda estudando as relações psicológicas inscritas na narrativa, Renato Tardivo lançou, em 2012, pela Ateliê Editorial, de São Paulo, o livro Porvir que vem antes de tudo - literatura e cinema em Lavoura Arcaica, o filme de 2001 dirigido por Luiz Fernando Carvalho, baseado no livro de Raduan Nassar. Finalmente, temos Cinema no divã, de Danit Falbel Pondé, pela Editora LeYa, de São Paulo, que abordou em 2015 os conflitos humanos pensados pela psicanálise e representados pelo cinema.
Cinema e sexualidade
Ajustado à recente maior visibilidade das questões do campo sexual, o mercado editorial se viu contemplado com obras afirmativas e provocadoras. Já em 2001, Paulo Menezes apresentara o seu À meia-luz: cinema e sexualidade nos anos 70, pela carioca Editora 34, apontando em alguns filmes os indícios da revolução sexual e política, a alienação social, a explosão da violência urbana e o sexo como experiência-limite do ser humano. Em 2008, outro livro trouxe novos questionamentos: trata-se de Sexualidade, cinema e deficiência, de Francisco Baptista Assumpção Júnior, editada pela LMP gaúcha. Sexo, cinema e dois corpos fumegantes de Maurício Nunes, da Zelig, de São Paulo, lançado em 2011, tem o curioso subtítulo de “Um guia para quem gosta de sexo... e também de cinema”, dando o tom do conteúdo, temas e práticas, recordes, e é o resultado de uma pesquisa que, segundo o autor, durou dez anos e foi obtida com o visionamento de 3800 longas-metragens (“Filmes sensuais...”, 2011). Já Cine arco-íris: 100 anos de cinema LGBT nas telas brasileiras, de Stevan Lekitsch, lançado pela GLS Edições, de São Paulo, em 2011, é uma compilação de dados sobre filmes com temática LGBT, divididos em décadas, cheio de histórias dos bastidores – e bem menos acadêmico que Corpos em projeção: gênero e sexualidade no cinema latino-americano, organizado por Marina Cavalcanti Tedesco e Maurício de Bragança, da carioca Editora 7 Letras, lançado em 2013, que, à luz da teoria queer e dos estudos feministas, aponta para a assimetria entre a representação do homem e da mulher, através de estudos de casos analisados por especialistas no campo e no cinema do subcontinente latino-americano. Uma obra pioneira sobre pornografia no cinema é O olhar pornô: a representação do obsceno no cinema e vídeo (publicado originalmente em Campinas por Mercado das Letras, 1996), de Nuno César Abreu, que ganhou uma 2ª edição dezesseis anos depois (Alameda, São Paulo, 2012). Filmes pornográficos do cinema silencioso, experiências alternativas ou de vanguarda, elementos desestabilizadores dos discursos sobre a sexualidade, a obscenidade e o erotismo são o tema de O cinema explícito: representações cinematográficas do sexo, obra de Rodrigo Gerace distribuída em 2015 pelo SESC de São Paulo. Encerrando nossa lista, temos O cinema que ousa dizer seu nome, do jornalista e cineasta Lufe Steffen, editado pela Giostri Editora, de São Paulo, em 2016, no qual são entrevistados cineastas brasileiros que lidaram com a temática LGBT em seus filmes.
Cinema e política
Em 2006 apareceu A utopia do cinema brasileiro, de Lucia Nagib, editado pela paulista Cosac Naify. O subtítulo do livro, matrizes, nostalgia, distopias, insinuava a perspectiva de revisão de alguns filmes clássicos brasileiros da época do pensamento eroico (ou utópico) à luz das contradições dos filmes dos anos 1990, quase o presente de então - um texto que busca traços comparativos e filiações entre as duas épocas. Publicado em 2007, Terras e fronteiras no cinema político contemporâneo, de Andréa França, lançado pela carioca 7 Letras, na vertente da globalização e da internacionalização, pensa sobre filmes que refletem a diluição de fronteiras nacionais e o nomadismo dos personagens submetidos às novas cartografias do poder. O livro A concepção materialista da História do Cinema, de Nildo Viana, lançado em 2009 pela Editora Asterisco (Rio Grande do Sul), por sua vez, trata do pseudomarxismo, do formalismo, do fetichismo com que o autor lê a historiografia do cinema, com alguns apriorismos definidores da sua crítica. Andréa França e Denilson Lopes organizaram, em 2010, a coletânea Cinema, globalização e interculturalidade, pela Editora Argos, de Santa Catarina, enquanto no mesmo ano Regis de Moraes apresentava o seu Cinema: a realidade de uma quimera, pela Editora Alinea, de Campinas, tratando da historicidade, cognição e emoção transmitidas pelos filmes. Cinema & Política, organizado por Miguel Chaia em 2015 e lançado pela Azougue Editorial do Rio de Janeiro, trata da dimensão política dos filmes que proporciona muitas formas de conhecimento e de ação. Por esse viés, também citamos Cinema em redes: tecnologia, estética e política na era digital, organizado por Gilberto Alexandre Sobrinho para a editora Papirus de Campinas – que, lançado em 2016, encerra nossa lista.
Cinema e filosofia
Já em 2006, Julio Cabrera apresentou o seu O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes, publicado pela carioca Editora Rocco, buscando conceitos-imagem em grandes filmes de grandes diretores, discutindo questões contemporâneas. No mesmo ano, Jorge Vasconcellos nos deu o seu Deleuze e o cinema, que apareceu pela editora carioca Ciência Moderna. No ano seguinte, Arlindo Machado, discutindo a teoria geral da subjetividade no universo das “imagens técnicas”, trouxe O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no ciberespaço, pela paulista Editora Paulus. Da imagem ao clichê, do clichê à imagem: Deleuze, cinema e pensamento, trabalho de Rodrigo Guerón, que veio à luz em 2011 pela Editora Nau, do Rio de Janeiro, recupera a potência da imagem na sociedade do espetáculo. Em 2013, Julio Cabrera e Marcia Tiburi apresentaram, pelo SENAC paulista, o seu Diálogo/Cinema, na mesma direção de Luz, câmera, filosofia: mergulho na imagética do cinema, de Marly Bulcão, editado em 2013 pela paulista Editora Ideias e Letras. Interfaces mais abrangentes foram tratadas em 2014 por Jacqueline Oliveira Leão no livro da LiberArs de São Paulo, intitulado Filosofia, cinema e literatura: intercessões, lançado em e-book Kindle. Por sua vez, aplicado a um estudo de caso é Cinema e filosofia: a metafísica de Robert Bresson (Batel, Rio de Janeiro, 2011), de Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira e Thiago Cabrera Pereira da Rosa – que, além de analisar filme por filme do cineasta francês, também realiza uma breve abordagem de “afinidades bressonianas” de alguns realizadores brasileiros, como Joaquim Pedro de Andrade e Ozualdo Candeias.
Cinema e ciência
Um campo inusitado, onde as relações começam a ganhar força, visibilidade e a virar objeto de discussão, por meio, inclusive, de mostras e festivais específicos, a ciência e o cinema, com seus múltiplos atravessamentos, chegam às estantes das livrarias em uma coleção muito particular: A história da ciência no cinema, de Bernardo Jefferson de Oliveira, publicado em 2007 pela editora Argumentum, de Belo Horizonte, em 2007. O Volume II, também de 2007, modifica um pouco o nome: agora, além de História da ciência no cinema, traz O retorno como subtítulo. Manteve-se o autor, Bernardo Jefferson de Oliveira, mas a editora passou a ser outra — a Fino Traço, também de Belo Horizonte. Essa mesma editora publicou o Volume III da série, em 2010, sob a autoria de Betânia Gonçalves Figueiredo. A História da ciência no cinema, de número IV, foi lançada em 2012, pela mesma editora, com textos organizados por Ana Carolina Vimeiro Gomes, César Carrillo Trueba e Betânia Gonçalves Figueiredo, trazendo determinados conceitos da história da ciência representados em filmes de épocas e procedências distintas.
Cinema e recursos humanos
Os filmes também têm servido como apoio para outras disciplinas, que se utilizam de seu potencial polissêmico para desenvolver, contestar ou estimular outros olhares sobre diferentes temáticas embutidas nas narrativas cinematográficas. Este é o exemplo da área de recursos humanos (RH), voltada para objetivos organizacionais e que começa a ter sua própria bibliografia. Em 2001, Ricardo Xavier nos trouxe, pela Editora Gente, de São Paulo, o livro Tudo que aprendi com o cinema. Em 2003, ele ampliou seus ensinamentos com Em cartaz: aprendendo com as emoções do cinema, agora pela Editora STS, também de São Paulo. Luz, câmera, gestão - a arte do cinema na arte de gerir pessoas, de Myrna Silveira Brandão, apareceu em 2006 pela Qualitymark, carioca. Em 2009, a autora lançou pela mesma editora Leve seu gerente ao cinema: filmes que ensinam, com obras que são analisadas e estudadas durante palestras e treinamentos nas grandes empresas. Em 2013, ainda pela Qualitymark, foi a vez de O cinema na gestão de pessoas, analisando filmes nacionais, independentes e grandes sucessos de público. Um novo nicho, já com ocupações reconhecidas.
Cinema e TV
São muitos os exemplos de reflexão nesta área, dispersos em comunicações em congressos ou em livros voltados para os processos comunicacionais ou temas específicos e pontuais. Apontamos algumas obras: A épica eletrônica de Glauber: um estudo sobre cinema e TV, de Regina Mota, publicado em 2001 pela Editora da UFMG. Interfaces mais complexas podem ser percebidas em Cinema, televisão e publicidade: cultura de massa popular no Brasil nos anos 1970-1980, de José Mário Ortiz Ramos, lançado em 2004 pela Annablume, de São Paulo, ou ainda em TV Séries: em tempo real, de Cássio Starling Carlos, vindo da paulista Editora Alameda, em 2006. Em 2008, a editora carioca Zahar lançou Cinema, televisão e história, de Mônica Almeida Kornis, que leva o leitor também ao campo consagrado da História, onde proliferam estudos sobre a relação nem sempre amistosa com o cinema. Assim, em um recorte bem arbitrário do que se tem produzido, podemos apontar traços desta variedade no próximo subitem.
Cinema e história
Sobre a inter-relação entre Cinema e História, há uma relativa publicação de livros, sobretudo coletâneas, mas se destacam recentemente as seguintes obras de fôlego: História e cinema: dimensões históricas do audiovisual (Alameda, São Paulo, 2007), organizado pelos historiadores Maria Helena Capelato, Marcos Napolitano e Elias Thomé Saliba; Cinematógrafo: um olhar sobre a história (EdUnesp/EdUFBA, São Paulo/Salvador, 2009), organizado por Jorge Nóvoa, Soleni Biscouto Fressato e Kristian Feigelson; História e documentário (Alameda, 2012), organizado por Eduardo Morettin, Marcos Napolitano e Mônica Almeida Kornis,; e Cinema-História: teoria e representações sociais no cinema (Apicuri, Rio de Janeiro, 2012), organizado por Jorge Nóvoa e José D’Assunção Barros. A maioria desses livros reúne textos de pesquisadores brasileiros e europeus, analisando filmes nacionais, em sua maioria, e estrangeiros. Também destacamos Ditadura em imagem e som: trinta anos de produções cinematográficas sobre o regime militar brasileiro (Ed. Unesp, Marília, 2013), de Caroline Gomes Leme, no qual são analisados cerca de 70 filmes brasileiros, de 1979 a 2009, que retratam o período da ditadura militar (1964-1985). Um personagem instigante de caráter universal que aparece nas telas desde que o cinema foi inventado é Jesus Cristo, retratado no livro O mito cristão no cinema, de Laércio Torres de Góes, editado pela EDUSC em 2003, situando as diversas representações no seu contexto histórico. Uma perspectiva mais ampla, como a de Sérgio Lima, está no livro O olhar selvagem: o cinema dos surrealistas, editado pela Algol de São Paulo em 2008 - um pouco antes que Monique Borba Cerqueira revisse o estatuto da pobreza em personagens como Carlitos, Gabriela e Macabéa em Pobres: resistência e criação, publicado em 2010 pela paulista Cortez. Já o livro História & audiovisual, de Rafael Rosa Hagemeyer, editado em Belo Horizonte pela Autêntica Editora em 2012, busca a relação entre cinema, animação, clipes, videogames e a história, cuidando de estimular o imaginário dos estudiosos, legitimando sua existência. Em 2015, espaço e tempo se diluíram para pensar A Idade Média no cinema, organizado pelos medievalistas José Rivair Macedo e Lênia Márcia Mongelli, e editado pela paulista Editorial Ateliê em 2015. Ainda pelo viés de análise de filmes realizada por historiadores, podemos citar A Segunda Guerra e o cinema (Porto Alegre, EdUFRGS/SMC, 1999), organizado por Nilo André Piana de Castro, e A História vai ao cinema: vinte filmes brasileiros comentados por historiadores (Record, Rio de Janeiro, 2001), organizado por Mariza de Carvalho Soares e Jorge Ferreira, entre outras coletâneas.
Ensaios, críticas e crônicas
Inúmeros são os textos poéticos ou didáticos que expõem ideias, críticas e reflexões políticas, filosóficas ou éticas sobre nosso tema geral. Apresentamos aqui um pouco do que foi publicado nesse formato – um bom exemplo é O terceiro olho: ensaios de cinema e vídeo, de Francisco E. Teixeira, editado pela paulista Perspectiva, em 2003. Também destacamos os livros O abrigo do tempo: abordagens cinematográficas da passagem do tempo (Alameda, São Paulo, 2011), de Henri Gervaiseau, e A palavra náufraga: ensaios sobre cinema (São Paulo, Cosac Naify, 2001), de Antônio Gonçalves Filho. Um filme é para sempre é o livro organizado por Heloisa Seixas a partir dos artigos do jornalista Ruy Castro, lançado pela paulista Companhia das Letras em 2006. Da Bahia, em 2010, nos chegam os Escritos sobre cinema: trilogia de um tempo crítico, em três volumes, do professor André Setaro, publicado pela EdUFBA; Lier Pires Ferreira, através de obra publicada pela carioca Azougue em 2011, traz a coletânea Ensaios fundamentais: cinema, com textos clássicos de autores brasileiros, como Alberto Cavalcanti, Jean-Claude Bernardet, Arthur Omar, Paulo Emilio Salles Gomes, José Carlos Avellar, Rogério Sganzerla e muitos outros. Do mesmo modo, os 26 textos de Lola Aronovich com sua visão pessoal de muitos filmes lançados na primeira década do século XXI estão presentes em Escreva Lola escreva: crônicas de cinema, lançado em 2012 pela paulista Edusp. Do sul do país vêm reflexões sobre tecnologia, realities, franquias reunidas sob o nome Cinema em choque: diálogos e rupturas, organizadas por Carlos Gerbase e Cristiane Freitas Gutfreind para a Sulina, de Porto Alegre, em 2013 - no mesmo ano em que a Bahia nos revela as Desleituras cinematográficas: leitura, cinema e cultura, organizada por Marinyze Prates de Oliveira e Elizabeth Ramos, livro lançado pela Edufba. Destacamos também a reedição de O cinema de meus olhos (Companhia das Letras, São Paulo, 2015), coletânea de textos e crônicas sobre cinema do poeta Vinícius de Moraes, sob a organização de Carlos Augusto Calil, e a publicação de Ainda temos tempo (Cosac Naify, São Paulo, 2006), do crítico Leon Cakoff, que reúne relatos do fundador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Também podemos citar Geografia pop: o cinema e o outro (Apicuri, Rio de Janeiro, 2013), de Leonardo Name. Por essa mesma seara destacamos as obras de Denilson Lopes, professor da UFRJ, que a partir da abordagem de filmes, nacionais e estrangeiros, realiza suas reflexões sobre a contemporaneidade, como em O cinema dos anos 90 (Argos, Chapecó, 2005), A delicadeza: estética, experiência, paisagem (EdUnB, Brasília, 2007) e No coração do mundo (Rocco, Rio de Janeiro, 2012). Em suma, um campo que só tende a crescer.
Cinema e poesia
É pela estética e pela narrativa de Julio Bressane em seu filme Sermões: a história de Antônio Vieira (1989), que nos chega Uma voz no cinema, de Luiz Otávio de Santi, premiado no Festival Universitário de Literatura promovido pela Xerox e publicado pela Editora Cone Sul em 2001. É também em Pasolini, Buñuel e Kieslowski que Érika Savernini foi buscar os Índices de um cinema de poesia, em edição da EDUFMG, de Belo Horizonte, em 2004. Essa busca foi estendida a um contingente maior de filmes e autores em Ir ao cinema: um olhar sobre filmes, de Humberto Pereira da Silva, publicado pela Musa, de São Paulo, em 2006. Já Adalberto Müller, professor do Instituto de Letras da UFF, encontra suas Linhas imaginárias: poesia, mídia, cinema e as publica pela Sulina, de Porto Alegre, em 2012. E o cineasta Silvio Back publicou seus Kinopoems: o cinema vai ao poema, pela editora da UFSC, em Florianópolis, no ano2015.
Cinema e educação
Telas que ensinam: mídia e aprendizagem, do cinema às tecnologias digitais é um livro do psicólogo, pedagogo, historiador e professor Samuel Pfromm Netto, lançado pela Alínea, de São Paulo, em 2001, girando em torno das possibilidades de ensino à luz dos novos meios disponíveis. Quase a mesma estratégia foi utilizada por Marcos Napolitano em 2003, em obra da Editora Contexto, de São Paulo, intitulada Como usar o cinema em sala de aula, onde o autor propõe a exibição de filmes como um recurso rico, lúdico e extremamente sedutor, conseguido através de procedimentos diversos e atividades práticas. Roseli Pereira Silva, psicopedagoga, centra seu livro Cinema e Educação, editado em São Paulo pela Editora Cortez em 2007, em dois aspectos: o combate aos preconceitos e o uso do cinema de modo proativo. Já Rosália Duarte, no livro homônimo Cinema e educação, editado em 2009 pela Autêntica, de Belo Horizonte, aborda as duas práticas como formas de socialização dos indivíduos e instâncias que produzem visões de mundo, identidades e saberes, enquanto avança na discussão sobre a “competência para ver” e sobre a constituição do espectador enquanto sujeito - uma competência que se estende ao ensino de idiomas, como o prova o livro MovieTakes: a magia do cinema na sala de aula, de Grace Cristiane Thiel e Janice Cristine Thiel, vindo de Salvador através da Editora Aymara em 2009. Filmes para ver e aprender, de Áurea Castilho, aparecido pela Qualitymark do Rio de Janeiro em 2010, busca agregar valor através da experiência e dos olhares diferenciados de cada um de nós sobre um conjunto de filmes. Outras terras à vista: cinema e educação do campo, organizado por Aracy Alves Martins, Inês Assunção de Castro Teixeira, Mônica Castagna Molina e Rafael Litvin Villas Bôas, também da editora carioca Autêntica, em 2010, vai bem longe na revisão de alguns filmes dos anos 1960/70, buscando neles as consequências de uma reforma agrária falida para desmanchar os estereótipos de uma população rural sub-humana, mística e atrasada, e propô-la como ativa, resistente e desafiante. Organizado por Edileusa Penha de Souza e editado pela Mazza de Belo Horizonte, Negritude, cinema e educação: caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003, em dois volumes, foi lançado em 2011 e é como um roteiro de questões étnico-raciais capazes de extrair de alguns filmes debates sobre racismo, discriminação, políticas públicas e diversidade, ao tomar como ponto de partida a promulgação da citada lei federal que implementa a obrigatoriedade dos debates sobre história e cultura afro-brasileira nas grades curriculares do ensino básico. Mônica Fantin, pela Annablume, editora paulista, lançou também em 2011 seu livro Crianças, cinema e educação: além do arco-íris, um trabalho sobre recepção e modos de apropriação das narrativas cinematográficas por crianças do Brasil e da Itália. O ano 2011 viu aparecer ainda o livro Lanterna mágica: infância e cinema infantil, do jornalista e crítico João Batista Melo, pela editora carioca Civilização Brasileira. Trata-se de panorama amplo do cinema infantil, abordando influências e referências, a relação com o marketing travestido em algumas obras, entre outros temas. Educação e cinema: dialogando para a formação de poetas, de Lucilla da Silveira Leite Pimentel, pela Editora Cortez, de São Paulo, em 2013, invoca o papel de agente transformador do professor através da redescoberta e da experiência da humanização possível através da ficção poética das imagens. Já Cinema e educação: reflexões e experiências com professores e estudantes de educação básica, dentro e “fora” da escola, do mesmo ano e lançada pela Autêntica Editora, de Belo Horizonte, é uma obra de Adriana Fresquet que pensa o cinema como instrumento de cognição dos universos sociais e privados, capaz de ensinar a desaprender uma existência automatizada. Ainda em 2013, Interfaces didáticas entre cinema e ciência: um estudo a partir de 2001, uma odisseia no espaço, de Luis Paulo de Carvalho Piassi, publicado pela editora paulista Livraria da Física, revela o potencial pedagógico e didático da arte cinematográfica em sua polissemia e acessibilidade para a compreensão de conceitos sofisticados do campo científico. Um modo de vida por descontinuidades e cortes, paradigma da contemporaneidade, é uma das lições que o cinema pode revelar, na supressão de imagens e no esvaziamento da narratividade, e é isto de que trata A leitura pelo olhar do cinema, que Eliana Yunes lançou em 2013 pela editora Reflexão, de São Paulo. É uma preocupação semelhante à de Deborah Rosária Barbosa e Tales Vilela Santeiro em A vida não é filme?: reflexões sobre psicologia e cinema, editada pela EdUFU mineira de Uberlândia, em 2013, onde se evidencia a função questionadora do cinema na formação profissional no campo psi. A coleção Cinema, cultura e educação da Autêntica Editora engloba livros que se dirigem a nichos sociais específicos, voltados a pensar identidades, diferenças, ética e moral a partir das questões problematizadas em alguns filmes. Todos os livros da série foram organizados por Inês Assunção de Castro Teixeira e José de Sousa Miguel Lopes e foram lançados pela Autêntica Editora de Belo Horizonte e são: A mulher vai ao cinema (2005), A escola vai ao cinema (2007), A infância vai ao cinema (2007), A juventude vai ao cinema (2009) e A família vai ao cinema (2012). Perspectiva pedagógica mais pragmática se encontra em Fazendo cinema na escola, de Alex Moletta, lançado pela editora paulista, Summus Editorial, em 2014, que busca o protagonismo do aluno, orientando-o (e ao leitor comum) a pensar e produzir obras audiovisuais com poucos recursos financeiros. Cinema e filosofia: ensinar e aprender filosofia com os filmes discute a capacidade transgressora da narrativa fílmica para além de um instrumento de expressão ou ilustração do pensamento filosófico. Escrito por Alessandro Reina, foi lançado em 2015 pela Editora Juruá de Curitiba. Inevitavelmente cinema: educação, política e mafuá, de Cézar Migliorin, lançado pela editora Azougue em 2015, apresenta o projeto “Inventar com a diferença”, que de 2013 a 2015 atuou em 234 escolas em todos os estados do país, visando o trabalho com cinema e direitos humanos, atentando para os dispositivos de criação. Finalmente, Sérgio Augusto Leal de Medeiros, pela Editora Appris de Curitiba, lançou em 2016 o livro Imagens educativas do cinema, tendo como perspectiva o processo formativo dos alunos através da educabilidade das imagens, tratadas como uma modalidade do pensamento que veicula afetos, e na recepção, que provocam uma espectatura criativa.
Prospecções abertas
Definitivamente são muitos os domínios para os quais o cinema e os filmes se espraiaram e ganharam legitimidade intelectual e acadêmica. Sua extensão é incomensurável, por isto apresentamos aqui apenas uma amostra.
Sobre a arte da atuação, O voo cego do ator no cinema brasileiro, de Nikita Paula, foi publicado pela editora Annablume em 2001. Cinema: arte e indústria, de Anatol Rosenfeld, apareceu pela editora Perspectiva, de São Paulo, em 2002. O jornalismo no cinema veio do Sul do país, escrito por Christa Berger e lançado em Porto Alegre pela editora da UFRGS, em 2002. Um dos grandes fotógrafos brasileiros, Walter Carvalho, assina o livro Fotografias de um filme, da Cosac Naify, lançado em 2003 e concebido durante as locações do longa Lavoura Arcaica (2001), dirigido por Luiz Fernando Carvalho, acompanhando a gestação da obra. Já Expor uma história: a fotografia do cinema, também escrito por um experiente fotógrafo, Ricardo Aronovich, foi editado pela editora Gryphus, do Rio de Janeiro, em 2004. Cinema, velhice e cultura: cinedebate foi organizado em Campinas por Neusa Maria Mendes de Gusmão, e lançado pela Alínea em 2005. Cinema e imaginário em A história sem fim veio de Santa Catarina, da EDUSC, escrito por Rivaldo Alfredo Paccola em 2006. A família nos filmes de Carlos Saura e Almodóvar deu origem a Clausura e compartilhamento, de Sandra Fischer, editado em 2006 pela Annablume. Mesmo a gastronomia marcou presença no livro O cinema vai à mesa: histórias e receitas, do popular crítico paulista Rubens Ewald Filho que, com Nilu Lebert, lançou-o pela editora Melhoramentos, em 2007. Os trailers foram estudados por Claudia Melissa em Trailer: cinema e publicidade no mesmo rolo, numa edição da Goânia de Goiás, em 2007. Stella Senra lançou O último jornalista: imagens de cinema em São Paulo pela Estação Liberdade, no mesmo ano. Em 2007 saiu ainda A diversidade cultural vai ao cinema, organizado por Inês Assunção de Castro Teixeira e José de Sousa Miguel Lopes pela Autêntica Editora, pensando a diferença e os diferentes marcados por vários enredos. Já Paulo B. C. Schettino trouxe à baila uma série de depoimentos de profissionais da indústria com Diálogos sobre a tecnologia do cinema brasileiro, ainda em 2007, pela editora paulista Ateliê Editorial. Em 2007, Cinema na universidade, organizado por Noeli Gemelli Reali para a editora Argos, de Chapecó, em Santa Catarina, trouxe os comentários colhidos entre os debatedores dos filmes selecionados, pautados por suas vivências de docentes, profissionais liberais, intelectuais de diversos movimentos sociais, ativistas políticos, cineastas, roteiristas e acadêmicos, montando um painel bem expressivo dos modos de ler... e de se aproveitar o cinema. Máximo Barro apresentou uma bela coleção de peças em O cinema em cartaz, edição da FAAP, de São Paulo, em 2008, e no ano seguinte Roberto Lobato Correa e Zeny Rosendah organizaram uma coletânea sobre cinema, música e espaço pela editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A terra, dentro da representação de seus usos no cinema e a partir de seus pertencimentos na formação social brasileira, é o tema de Imaginação da terra: memória e utopia no cinema brasileiro, de Heloisa Maria Murgel Starling, editada pela EdUFMG em 2012. Três volumes mergulham no universo dos comics levados à tela em Quadrinhos no cinema, de Alexandre Callari, pela editora Evora, de São Paulo, em 2012. Em 2013, com um olhar antropológico que aponta relações entre filmes, as grandes marcas culturais da Espanha (música flamenca, touradas, etc.) e a mescla entre símbolos profanos e sagrados, foi lançado o livro O cinema da paixão: cultura espanhola nas telas, de Silvia Marques, pela Giostri Editora. A grande preparadora de elenco Fátima Toledo é o objeto do livro Interpretar a vida, viver o cinema, escrito em 2014 para a Editora LiberArs, de São Paulo, por Mauricio Cardoso. Tratando da autorreflexividade, Todo filme é sobre cinema, de Aldus Nei Duclós, editada pela editora gaúcha Unisinos em 2014, propõe que o cinema é uma arte voltada para si mesma e se basta. Por sua vez, Cristine Koehler Zanella e Edison José Neves Júnior organizaram, pela editora Fino Traço, de Belo Horizonte, os livros As relações internacionais e o cinema - volume 1: espaços e atores transnacionais, em 2015, e As relações internacionais e o cinema - volume 2: Estados e conflitos internacionais, em 2016.
Cinema mundial: história e contemporaneidade
Diante da ampla expansão de cursos de cinema no Brasil, a partir da segunda metade dos anos 1990, encontramos a publicação de vários livros voltados para a história do cinema, muitos diretamente voltados a suprir uma carência de literatura técnica inexistente em nosso mercado editorial. É exatamente esse o propósito de História do cinema mundial (Papirus, Campinas, 2006), organizado por Fernando Mascarello. Seguindo a mesma trilha, foi publicado, a seguir, Cinema mundial contemporâneo (Papirus, 2008), organizado por Fernando Mascarello e Mauro Baptista. Embora não seja necessariamente um livro de história do cinema, a obra A mise-en-scène no cinema: do clássico ao cinema de fluxo (Papirus, 2013), de Luiz Carlos Oliveira Júnior, traça um estudo sobre a passagem do cinema clássico ao cinema contemporâneo, passando pelo cinema moderno, a partir de um forte diálogo com a teoria e a crítica cinematográficas francesa. A originalidade e a profundidade do estudo tornam esse livro, inicialmente uma dissertação de mestrado defendida na USP, uma verdadeira obra de referência. Também destacamos as obras organizadas pela pesquisadora Alessandra Meleiro, como a coleção Cinema no mundo: indústria, política e mercado (Escrituras, São Paulo, 2007), formada por cinco volumes, respectivamente dedicados à África, à América Latina, à Ásia, aos Estados Unidos e à Europa. Sobre um período específico da cinematografia italiana, indicamos O cinema político italiano: anos 60 e 70 (São Paulo, Cosac Naify, 2006), de Angela Prudenzi e Elisa Resegotti, baseado em entrevistas com os principais cineastas do período, além da fortuna crítica de artigos publicados em jornais brasileiros entre 1969 e 1998. Também frisamos Filmes da África e da diáspora: objetos de discursos (EdUFBA, Salvador, 2012), organizado por Meleiro e Mahomed Bamba, um dos raríssimos livros no Brasil sobre cinema realizado por africanos.
Felizmente, há mais obras publicadas sobre cinema latino-americano, embora acreditemos que ainda é muito pouco devido à extrema importância do tema. Livros pioneiros sobre o tema são Cinema na América Latina: longe de Deus e perto de Hollywood (L&PM, Porto Alegre, 1985), de Paulo Antônio Paranaguá, e Melodrama: o cinema de lágrimas na América Latina (Rio Fundo, Rio de Janeiro, 1992), de Silvia Oroz. Outra obra referencial, exclusivamente dedicada à reflexão teórica sobre cinema na América Latina, é A ponte clandestina: Birri, Glauber, Solanas, García Espinosa, Sanjinés, Alea: teorias de cinema na América Latina (Rio de Janeiro/São Paulo, Editora 34/EdUSP, 1995), de José Carlos Avellar. A partir do novo século, podemos encontrar mais títulos sobre as cinematografias vizinhas, além de análises comparativas que também incluem o cinema brasileiro no mapa da América Latina. Podemos afirmar que um dos livros mais relevantes desse tipo de estudo é Vizinhos distantes: circulação cinematográfica no Mercosul (Annablume, São Paulo, 2007), de Denise Mota da Silva. Também citamos estudos específicos, todos oriundos de pesquisas acadêmicas: Cinema cubano: revolução e política cultural (Alameda, São Paulo, 2010), de Mariana Villaça; Políticas da voz no cinema em Memórias do subdesenvolvimento (EDUC,São Paulo, 2012), de Elen Döppenschmitt; O Brasil imaginado na América Latina: a crítica de filmes de Glauber Rocha e Walter Salles (Contra Capa, Rio de Janeiro, 2010), de Eliska Altmann; A América Latina no cinema contemporâneo: outros olhares (Insular, Florianópolis, 2012), de Anelise R. Courseil; e A experiência do cinema de Lucrecia Martel: resíduos do tempo e sons à beira da piscina (Alameda, São Paulo, 2014), de Natália Christofoletti Barrenha. Não por acaso boa parte das publicações que reúnem textos de vários autores sobre cinema latino-americano são oriundos de universidades onde há uma tradição de reflexão sobre o tema: Políticas dos cinemas latino-americanos contemporâneos (Ed. Unisul, Palhoça, 2012), organizado por Alessandra Brandão, Dilma Juliano e Ramayana Lira; Imagem e exílio: cinema e arte na América Latina (Discurso, São Paulo, 2015), organizado por Yanet Aguilera; Imagem, memória e resistência (Discurso, 2016), organizado por Aguilera e Mariana da Costa Campos; Brasil-México: aproximações cinematográficas (EdUFF, Niterói, 2011), organizado por Tunico Amancio e Marina Cavalcanti Tedesco; e Argentina-Brasil no cinema: diálogos (EdUFF, Niterói, 2014), organizado por Tunico Amancio.
História do cinema brasileiro: questões historiográficas e novas abordagens teóricas
Uma das principais características nos estudos de cinema brasileiro ocorridos nos últimos anos é a chamada revisão historiográfica, i.e., novos vieses de pesquisa sobre temas consagrados na cinematografia brasileira (como o Cinema Novo), ao qual se soma a atenção sobre aspectos até então pouco estudados na área.
Assim, referente ao cinema silencioso no Brasil, destacamos a obra Viagem ao cinema silencioso do Brasil (Azougue, Rio de Janeiro, 2011), organizado por Samuel Paiva e Sheila Schvarzman, fruto de um grupo de estudos de pesquisadores residentes em São Paulo, que assistiram e discutiram sistematicamente, durante mais de um ano, todo o acervo de filmes brasileiros silenciosos depositados na Cinemateca Brasileira. Algumas dessas discussões foram apresentadas como comunicações nos congressos da SOCINE. Também graças ao acesso ao acervo da instituição de guarda paulista, entre outros arquivos consultados, destacamos os livros do historiador José Inácio de Melo Souza, pesquisador da Cinemateca Brasileira, Imagens do passado: São Paulo e Rio de Janeiro nos primórdios do cinema (Senac, São Paulo, 2004) e Salas de cinema e história urbana de São Paulo (1894-1930) (Senac, São Paulo, 2016). Ainda em relação ao período silencioso, também destacamos o livro Entre lanternas mágicas e cinematógrafos: as origens do espetáculo cinematográfico em Porto Alegre 1861-1908 (Ecofalante, São Paulo, 2010), de Alice Dubina Trusz, uma tese de doutoramento em História defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que foi publicada com recursos do I Prêmio SAV (Secretaria do Audiovisual) para Publicação em Cinema e Audiovisual, com a qual foi agraciada na categoria Tese.
Referente ao tema da recepção, também se encontram estudos sobre a crítica de cinema e o cineclubismo no Brasil. Destacamos, então, Quando éramos jovens: história do Clube de Cinema de Porto Alegre (EdUFRGS/SMC, Porto Alegre, 2000) e A crítica de cinema em Porto Alegre na década de 1960 (EdUFRGS/SMC, Porto Alegre, 2008), ambos de Fatimarlei Lunardelli; Uma geração cinematográfica: intelectuais mineiros da década de 50 (Annablume, São Paulo, 2003); de Elysabeth Senra de Oliveira; Hiroshima mon amour e a recepção crítica no Brasil (Annablume, São Paulo, 2014), de Alessandra Brum; Cineclubismo: memórias dos anos de chumbo (Iluminária Academia, Rio de Janeiro, 2008), de Rose Clair; O cerol fininho da Baixada: histórias do cineclube Mate com Angu (Aeroplano, Rio de Janeiro, 2013), de Heraldo HB; e Memória cineclubista de Pernambuco (Nano Produções, Recife, 2012), organizado por Isabela Cribari.
Ao mencionarmos mais acima o cinema silencioso, ressaltamos que um dos campos teóricos consolidados nas universidades brasileiras nos últimos anos é o dos estudos de som no cinema e audiovisual. A forte e constante presença de comunicações - aliás, sempre renovada com pesquisadores jovens que se debruçam sobre o tema - alimenta esse campo nos congressos da SOCINE, além de contar com um ST exclusivamente dedicado ao tema, desde 2012. Em termos editoriais, uma obra pioneira é O som no cinema brasileiro (7 Letras, Rio de Janeiro, 2008), de Fernando Morais da Costa. Originalmente uma pesquisa de doutorado realizada na UFF, trata-se de uma história do cinema brasileiro do ponto de vista da tecnologia do som. Nessa seara teórica também destacamos O cinema: uma arte sonora (Annablume, São Paulo, 2013), de Virgínia Flores, e Som + imagem (7 Letras, Rio de Janeiro, 2012), organizado por Fernando Morais da Costa e Simone Pereira de Sá. Há estudos de caso sobre cineastas ou filmes específicos, como Som-Imagem no cinema: a experiência alemã de Fritz Lang (Perspectiva, São Paulo, 2003), de Luiz Adelmo Manzano; Introdução ao desenho do som: uma sistematização aplicada na análise do longa-metragem Ensaio sobre a cegueira (EdUFPB, João Pessoa, 2013), de Débora Opolski; e o já citado A experiência do cinema de Lucrecia Martel: resíduos do tempo e sons à beira da piscina (Alameda, São Paulo, 2014), de Natália Christofoletti Barrenha. Também mencionamos Som direto no cinema brasileiro: fragmentos de uma história (Euphemia, Rio de Janeiro, 2016), de Marcio Câmara, um dos mais importantes técnicos de som da Retomada e da pós-Retomada, cujo livro é a sua dissertação de mestrado defendida na UFF. Na relação entre música e cinema, destacamos a reedição de Música popular: teatro e cinema (Editora 34, Rio de Janeiro, 2000), de José Ramos Tinhorão; A música no cinema: os 100 primeiros anos (Rocco, Rio de Janeiro, 2004), em dois volumes, de João Máximo; A arte de compor música para o cinema (Senac, São Paulo, 2014), de Eugênio Mattos; Sygkrhonos - a formação poética musical (Via Lettera, São Paulo, 2003), de Ney Carrasco; e A música no cinema silencioso no Brasil (MAM-RJ, Rio de Janeiro, 2014), de Carlos Eduardo Pereira. Verdade seja dita, os estudos de som no audiovisual ainda estão em plena expansão no Brasil, mas já contamos recentemente com excelentes traduções de obras estrangeiras em Português, como A dimensão sonora da linguagem audiovisual (Senac, São Paulo, 2006) do pesquisador espanhol Ángel Rodríguez, bem como a edição portuguesa do clássico livro A audiovisão: som e imagem no cinema (Texto & Grafia, Lisboa, 2008) de Michel Chion, o teórico francês mais importante da área.
Outro tema que cresce são as pesquisas sobre cinema e audiovisual a partir das discussões sobre sexualidade e gênero. A expressa maioria dessas pesquisas ainda se encontra circunscrita ao meio acadêmico, em revistas científicas e anais de congressos e simpósios. No entanto, essas reflexões ultrapassam os muros da universidade, sobretudo, por meio de capítulos de livros e textos de catálogos para mostras. A discussão sobre a sexualidade no cinema e no audiovisual se encontrava em parcos livros brasileiros até o início dos anos 2000, como a tradução de A mulher e o cinema: os dois lados da câmera (Rocco, Rio de Janeiro, 1996), de E. Ann Kaplan, teórica estadunidense de referência nos estudos de cinema e feminismo; os seminais Quase catálogo 1: realizadoras de cinema no Brasil (CIEC/ UFRJ/MIS-RJ, Rio de Janeiro, 1989) e Quase catálogo 3: estrelas do cinema mudo - Brasil 1908-1930 (CIEC/UFRJ/MIS-RJ, Rio de Janeiro, 1991), ambos organizados por Heloísa Buarque de Hollanda; e os já citados anteriormente À meia-luz: cinema e sexualidade nos anos 70 (Editora 34, Rio de Janeiro, 2001), de Paulo Menezes e O olhar pornô: a representação do obsceno no cinema e vídeo (Mercado das Letras, Campinas, 1996), de Nuno César Abreu, que ganha uma 2ª edição dezesseis anos depois (Alameda, São Paulo, 2012). Uma obra do começo do novo século considerada inaugural na área é A personagem homossexual no cinema brasileiro (EdUFF, Niterói, 2001) de Antônio Moreno, um estudo panorâmico sobre a representação da homossexualidade no cinema nacional. Seguindo um pouco esse viés, é o caso do já citado O cinema que ousa dizer seu nome (Gnostri, São Paulo, 2016), de Lufe Steffen, que reúne entrevistas com cineastas brasileiros contemporâneos que dirigiram filmes com temática LGBT, a partir de 1995. Antenado com as recentes pesquisas acadêmicas é Mulheres, homens, olhares e cenas (Curitiba, EdUFPR, 2011), organizado por Miriam Adelman, Amélia Siegel Corrêa, Lennita Oliveira Ruggi e Ana Carolina Rubini Trovão, composta por estudos sobre filmes brasileiros e estrangeiros a partir de vertentes teóricas contemporâneas como a teoria feminista, a teoria queer e as teorias pós-coloniais. Também é o caso de Mulheres em foco: construções cinematográficas brasileiras da participação política feminina (Cultura Acadêmica, São Paulo, 2010), de Danielle Tega. Por esse mesmo viés também destacamos Corpos em projeção: gênero e sexualidade no cinema latino-americano (EdUFF, Niterói, 2013), organizado por Maurício de Bragança e Marina Cavalcanti Tedesco, obra surgida de uma disciplina lecionada na Graduação em Cinema na UFF, que abre esse tipo de debate para o escopo das cinematografias da América Latina. Portanto, assim como os estudos sobre o som no cinema e audiovisual, cremos que os livros brasileiros sobre estudos de gênero no cinema estão apenas começando, ainda mais se levarmos em conta a quantidade de pesquisas acadêmicas que estão sendo atualmente realizadas nas universidades brasileiras com essa temática. Isso para não comentarmos na ausência em língua portuguesa de obras consideradas fundamentais dessas teorias, portanto, ainda aguardando traduções. Em suma, se trata de um campo que apenas está ensaiando os seus passos nos catálogos das editoras brasileiras.
Podemos afirmar o mesmo em relação aos estudos sobre cinema e audiovisual e relações étnico-raciais. Uma obra inaugural é O negro brasileiro e o cinema, de João Carlos Rodrigues, cuja 1ª edição é do final dos anos 1970, mas ganhou duas novas publicações no século XXI (Pallas6, Rio de Janeiro, 2001 e 2011). Outra obra-chave é A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira (Senac, São Paulo, 2001), do pesquisador e cineasta Joel Zito Araújo, lançado em conjunto com o seu longa documental homônimo. Por sua vez, salta aos olhos a escassez de livros que abordam a relação entre os povos indígenas brasileiros e o cinema e o audiovisual. No entanto, o que mais espanta é que exista uma sistemática produção teórica sobre o assunto no meio acadêmico, seja sobre a representação do índio no audiovisual, seja sobre a produção audiovisual realizada pelos próprios povos indígenas. Entre tais pesquisas se destacam as dissertações de mestrado Cinema e imaginação: a imagem do índio no cinema brasileiro dos anos 70, de Edgar Teodoro da Cunha, defendida na USP em 1999, e O índio no cinema brasileiro e o espelho recente de Juliano Gonçalves da Silva, defendida na Unicamp em 2002. Portanto, é em artigos, teses e dissertações, onde podemos encontrar tais reflexões ou em alguns textos, em estilo de depoimentos, artigos breves e apostilas, como as produzidas pelo Vídeo nas Aldeias (VNA), um respeitado e pioneiro projeto que realiza oficinas de produção audiovisual com povos indígenas no Brasil, pelo qual índios roteirizam, filmam e dirigem os seus próprios filmes. Por outro lado, também podemos citar em relação ao tema o livro Serras da desordem (Azougue, Rio de Janeiro, 2008), organizado por Daniel Caetano, que reúne artigos sobre o longa documental de Andrea Tonacci, e a tradução do livro do brasilianista Robert Stam, intitulado Multiculturalismo tropical: uma história comparativa da raça na cultura e no cinema brasileiros (EdUSP, São Paulo, 2008).
Ao comentarmos sobre a interdisciplinaridade, chamamos atenção para os estudos que refletem o cinema sob o prisma das ciências humanas. Várias obras já foram comentadas mais acima, mas destacamos aqui, em relação às abordagens sobre história do cinema brasileiro, o livro O rural no cinema brasileiro (EdUnesp, Marília, 2007), de Célia Aparecida Ferreira Tolentino. Também destacamos estudos monográficos sobre a censura cinematográfica no Brasil. Um estudo sistemático sobre o esforço do controle do espetáculo cinematográfico pelo Estado brasileiro, da República Velha à ditadura do Estado Novo na Era Vargas, é O Estado contra os meios de comunicação (1889-1945) (Annablume, São Paulo, 2003), de José Inácio de Melo Souza, inicialmente uma dissertação de mestrado em História bastante citada. Uma publicação de caráter mais panorâmico sobre o tema é Roteiro da intolerância: a censura cinematográfica no Brasil (São Paulo, Senac, 1999), de Inimá Simões, ao qual se acrescentam Cinema e televisão durante a ditadura militar: depoimentos e reflexões (Araraquara/São Paulo, FCL/Cultura Acadêmica, 2005), organizado por Anita Simis, e Os anos de chumbo: mídia, poética e ideologia no período de resistência ao autoritarismo militar (1968-1985) (Sulina, Porto Alegre, 2006), de Arlindo Machado. Ainda sobre o período da última ditadura brasileira também mencionamos Filmar operários: registro e ação política durante a ditadura militar no Brasil (Appris, Curitiba, 2016), de Marcos Corrêa.
Em relação aos estudos sobre o Cinema Novo, frisamos o original Gênese de Deus e o diabo na terra do sol (São Paulo/Salvador, Annablume/FGM/UFBA, 2005), de Josette Monzani, que estuda as várias versões do roteiro da obra de Glauber Rocha, aplicando a metodologia genética, tão comum nos estudos de Literatura, mas pouco utilizado nos estudos de cinema no Brasil. Também sob essa relação interdisciplinar entre cinema e literatura, citamos Glauber Rocha e a literatura de cordel: uma relação intertextual (Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, 2007), de Silvia Nemer. Também indicamos Glauber Rocha: um olhar europeu (Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, São Paulo, 2002), de Claudio Valentinetti, que apesar do título não se trata de uma compilação ou síntese do que os europeus refletiram sobre o cineasta baiano, mas de uma reflexão sobre Glauber de um europeu específico, o autor italiano do livro, crítico de cinema e sobrinho de Lina Bo Bardi, a célebre arquiteta italiana modernista que se radicou no Brasil. Também destacamos Cinema Novo: a onda do jovem cinema e a sua recepção na França (Papirus, Campinas, 2004), de Alexandre Figueirôa, sobre a recepção crítica dos filmes cinemanovistas na França, e A geração do Cinema Novo: para uma abordagem antropológica do cinema (Mauad, Rio de Janeiro, 2006), de Pedro Simonard.
Não podemos deixar de mencionar as reedições de livros-chaves de pensadores do e sobre o Cinema Novo, esgotados desde há décadas: a chamada Coleção Glauberiana, composta por três livros de autoria de Glauber Rocha, a saber, Revisão crítica do cinema brasileiro (São Paulo, Cosac Naify, 2003), Revolução do Cinema Novo (São Paulo, Cosac Naify, 2004) e O século do cinema (São Paulo, Cosac Naify, 2006). Podemos acrescentar a esse revival de Glauber Rocha a nova edição de Riverão Sussuarana (Florianópolis, EdUFSC, 2012), o único romance escrito e publicado pelo cineasta baiano. Tampouco podemos deixar de citar a publicação na íntegra das duas entrevistas dadas por Glauber durante a sua estadia em Cuba no começo dos anos 1970, que foram a base para o longa documental de estreia de seu filho Eryk Rocha, não por acaso o organizador da publicação Rocha que voa: América Latina, África, o papel do intelectual, cinema, poesia, política, a memória em transe (Aeroplano, Rio de Janeiro, 2002). Também foram reeditadas as obras referenciais sobre cinema brasileiro moderno do pesquisador Ismail Xavier, Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome (Cosac Naify, São Paulo, 2007) e Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal (São Paulo, Cosac Naify, 2012). Aliás, logo no começo do novo século, Ismail lançou um pequeno, mas importantíssimo livro, composto por três capítulos ensaísticos sobre o cinema brasileiro dos anos 1960 a meados dos 1980, intitulado O cinema brasileiro moderno (Paz e Terra, São Paulo, 2001). Soma-se ao esforço editorial de relançamentos, a série de livros do crítico, ensaísta, preservador e professor Paulo Emílio Sales Gomes, sob a coordenação de Carlos Augusto Calil e inicialmente publicada pela editora paulistana Cosac Naify. A proposta original, alardeada na imprensa, era publicar a obra completa de Paulo Emílio, o que infelizmente não se cumpriu devido à crise da editora, que culminou em seu fechamento em dezembro de 2015, interrompendo as atividades de uma das editoras mais importantes no campo das artes e da cultura no mercado editorial brasileiro. Assim, chegaram a ser editados por esse projeto os livros Cemitério (Cosac Naify, São Paulo, 2007), obra inédita e inacabada que une ficção e memória política; o romance Três mulheres de três PPPês (Cosac Naify, São Paulo, 2007); Capitu (Cosac Naify, São Paulo, 2008), roteiro do filme do cinemanovista Paulo César Saraceni, escrito por Paulo Emílio e Lygia Fagundes Telles; e a caixa composta pelos livros Jean Vigo e Vigo, vulgo Almereyda (Cosac Naify, São Paulo, 2009), e também por dois DVDs com a obra fílmica completa do cineasta francês. Frisamos que recentemente algumas obras de Paulo Emílio passaram a ser editadas pela Companhia das Letras: O cinema no século (São Paulo, 2015), coletânea de críticas de filmes estrangeiros, e a republicação de seu romance Três mulheres de três PPPês (São Paulo, 2015). Por sua vez, uma coletânea de seus textos também foi lançada pela importante coleção Encontros da editora carioca Azougue, dedicada a pensadores e artistas brasileiros: Paulo Emílio Salles Gomes (Rio de Janeiro, 2014), organizado por Adilson Mendes. Também no rastro de republicações encontramos o livro Macunaíma: da literatura ao cinema (Aeroplano, Rio de Janeiro, 2002), de Heloísa Buarque de Hollanda, uma coletânea de depoimentos e textos sobre o livro e o filme, estudo realizado nos anos 1970, então com apoio da antiga Embrafilme.
Sobre produções regionais, ou períodos tradicionalmente pouco estudados no cinema brasileiro, como os anos 1980, por exemplo, destacamos Cinema brasileiro pós-moderno: o neon-realismo (Sulina, Porto Alegre, 2008), de Renato Luiz Pucci Júnior; A aventura do cinema gaúcho (EdUnisinos, São Leopoldo, 2002), de Luiz Carlos Merten; Pioneiros do cinema em Minas Gerais (Crisálida, Belo Horizonte, 2008), de Paulo Augusto Gomes; e Cinema pernambucano: uma história em ciclos (SMC/FCC, Recife, 2000), de Alexandre Figueirôa.
É possível afirmar que uma das características do novo século é a redescoberta do cinema marginal. Em 2001, 2002 e 2004, a mostra Cinema Marginal e suas fronteiras, realizada em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, fremiu a cinefilia nacional ao levar para as telas filmes considerados importantes na história do cinema brasileiro, mas até então praticamente invisíveis. A Mostra editou um cobiçado catálogo formado por ensaios, depoimentos e uma filmografia comentada. Em suma, a mostra se transformou em mito e seu sucesso foi tanto que a produtora responsável por sua organização, a paulistana Heco Produções, criou um portal na Internet sobre o tema, onde tais textos se encontram acessíveis, além de conseguir lançar uma coleção de DVDs com filmes do movimento. Em suma, na primeira década do século XXI, o Cinema Marginal foi literalmente redescoberto por uma nova geração de espectadores e pesquisadores, e não por acaso tais filmes se tornaram em referência estética para muitos realizadores do novíssimo cinema brasileiro. No meio acadêmico não é exceção, pois vemos um aumento no interesse por essa filmografia em muitas pesquisas. Verdade seja dita, a maioria desses estudos ainda se encontra em algumas teses e dissertações e, sobretudo, em artigos de revistas científicas, textos de catálogos de mostras ou ensaios em sites na Internet. Em suma, esse novo olhar sobre o Cinema Marginal ainda não foi absorvido pelo mercado editorial. No entanto, podemos afirmar que um dos primeiros livros que flertam com o tema no século XXI, mas cuja pesquisa (originalmente uma tese de doutoramento na Unicamp) precede essa atual redescoberta, é Boca do lixo: cinema e classes populares (EdUnicamp, Campinas, 2006), de Nuno César Abreu, que ganhou uma 2ª edição em 2016 acrescido de um DVD com entrevistas e filmografia da Boca. Outro sinal desse interesse pelo tema em âmbito editorial foi a publicação em livros de textos, ensaios e entrevistas do cineasta Rogério Sganzerla, em Por um cinema sem limites (Azougue, Rio de Janeiro, 2001); uma coletânea de textos e entrevistas do realizador na coleção Encontros, Rogério Sganzerla (Azougue, Rio de Janeiro, 2007), organizada por Roberta Canuto; e Edifício Rogério: textos críticos 1 e 2 (EdUFSC, Florianópolis, 2010), caixa com dois volumes de artigos de Sganzerla originalmente publicados em jornais brasileiros de grande circulação entre 1964 a 1967 e entre 1980 a 1990. Por outro lado, essa redescoberta do Cinema Marginal abriu debates historiográficos, ao pôr em discussão os experimentalismos estéticos do cinema brasileiro moderno, para além de rígidas categorizações em movimentos e escolas artísticas, como a velha dicotomia Cinema Novo versus Cinema Marginal. Algumas dessas propostas originais, algumas em caráter de ensaio, se transformaram em livros. Podemos colocar nesse rol de publicações Poeta, herói, idiota: o pensamento de cinema no Brasil (Rio de Janeiro, Rios Ambiciosos), de Kátia Maciel; A utopia no cinema brasileiro: matrizes, nostalgia, distopias (Cosac Naify, São Paulo, 2006), de Lúcia Nagib; Adivinhadores de água: pensando no cinema brasileiro (Cosac Naify, São Paulo, 2005), de Eduardo Escorel; Um cinema brasileiro antropofágico? (1970-1974) (Annablume, São Paulo, 2008); de Guiomar Pessoa, A invenção do cinema brasileiro: modernismo em três tempos (Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2014), de Paulo Antônio Paranaguá; e Pai país, mãe pátria (IMS, Rio de Janeiro, 2016), de José Carlos Avellar. Por sua vez, embora focado em uma área específica da realização fílmica, mas que também possui um certo viés histórico, é A arte em cena: a direção de arte no cinema brasileiro (Senac, São Paulo, 2014), de Vera Hamburguer
Por fim, como comentamos mais acima, o debate historiográfico é o viés que articula boa parte dos recentes estudos sobre cinema e audiovisual nas universidades brasileiras. Nesse sentido, é sintomática a publicação de um livro-farol de Jean-Claude Bernardet sobre o tema, intitulado Historiografia clássica do cinema brasileiro: metodologia e pedagogia (Annablume, São Paulo, 1995), que recebeu uma 2ª edição em 2008, pela mesma editora. A rigor, o debate historiográfico não é algo recente no pensamento de Bernardet, pois já se encontra em um livro de reflexão sobre história do cinema brasileiro do final dos anos 1970, que ganhou uma nova edição no corrente século, ampliada com mais artigos e entrevistas, coorganizado por Arthur Autran: trata-se do seminal Cinema brasileiro: propostas para uma história (Companhia das Letras, São Paulo, 2009). Além disso, é justamente um ex-orientando de Bernardet no mestrado da USP o autor de uma das obras mais instigantes de revisão historiográfica do cinema brasileiro, o citado Arthur Autran, professor da UFSCar. Estamos nos referindo à sua já citada obra O pensamento industrial cinematográfico brasileiro (Huicitec, São Paulo, 2013), versão livro de sua tese de doutoramento na Unicamp, onde analisa sete décadas do cinema brasileiro, identificando uma ideia que tanto obceca os nossos cineastas: a criação de uma indústria cinematográfica nacional. Assim, rompe-se com uma leitura da história do cinema brasileiro preso a categorizações em movimentos e escolas artísticas. Ressaltamos que o debate historiográfico é uma presença constante nas reflexões de Autran, já presente em sua dissertação, orientada por Bernardet, que ganha uma versão em livro: Alex Viany: crítico e historiador (Perspectiva/Petrobras, São Paulo/Rio de Janeiro, 2003), dedicado à figura de Viany, o autor do primeiro livro considerado sistemático de história do cinema brasileiro, a saber, Introdução ao cinema brasileiro (INL, Rio de Janeiro, 1959).
Cinema brasileiro contemporâneo
A chamada “Retomada” do cinema brasileiro propiciou imediatamente reflexões. Uma delas, aliás, é a busca de definições e, como todo recorte histórico, delimitações temporais. Logo, é um relativo consenso na crítica e na academia referirmos à produção cinematográfica brasileira desde o começo dos anos 2000 de Pós-Retomada. Assim, desde o começo dos anos 2000, podemos assistir uma recente produção de jovens realizadores, que possuem como espaço de visibilidade, desde o começo do novo século, as Mostras de Tiradentes e a Semana de Realizadores no Rio de Janeiro. Alguns críticos se referem a esses realizadores de “novíssimo cinema brasileiro”, termo não consensual e bastante complexo.
Destaca-se uma das primeiras obras a buscar uma reflexão sistemática sobre a Retomada: Cinema brasileiro 1995-2005, ensaios sobre uma década (Azougue, Rio de Janeiro, 2005), organizado por Daniel Caetano, que reúne ensaios dos então redatores da revista eletrônica de cinema Contracampo, um dos periódicos virtuais brasileiros de cinema mais importantes da virada dos anos 1990/2000. Também mencionamos Cinema [de] novo: um balanço crítico da Retomada (Estação Liberdade, São Paulo, 2003), de Luiz Zanin Oricchio, e O cinema da Retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90 (Editora 34, São Paulo, 2002), de Lúcia Nagib. Por sua vez, Guido Bilharinho, prolífico escritor sobre cinema, com livros que cobrem desde a época silenciosa até o cinema dramático europeu, lançou uma revisão chamada O cinema brasileiro nos anos 90: novos filmes, pelo Instituto Triangulino de Cultura de Minas Gerais em 2000. Em relação à Pós-Retomada, se destacam Cinema brasileiro no século XXI: reflexões de cineastas, produtores, artistas, críticos e legisladores sobre os rumos da cinematografia nacional (Summus, São Paulo, 2012), de Francisco Ballerini, e o já citado Cinema de garagem: um inventário afetivo sobre o jovem cinema brasileiro do século XXI, de Dellani Lima e Marcelo Ikeda (MFL, Rio de Janeiro, 2011), que se debruça sobre o cinema brasileiro independente realizado na primeira década do corrente século. Referente a produções regionais, podemos citar Cinema gaúcho: diversidades e inovações (Sulina, Porto Alegre, 2009), organizado por Cristiane Freitas Gutfreind e Carlos Gerbase.
Sobre autores e cineastas
De caráter amplo, se destaca o ímpar O cinema brasileiro no século XX: depoimentos (FBN,Rio de Janeiro, 2004), organizado por Isabella Souza Nicholas, que reúne depoimentos de realizadores, atores e atrizes do cinema brasileiro, do silencioso ao contemporâneo. Em relação aos diretores do Cinema Novo, podemos destacar Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça: Glauber Rocha e a invenção do cinema brasileiro moderno (Prismas, Curitiba, 2015), de Frederico Osamam Amorim Lima; A primavera do dragão: a juventude de Glauber Rocha (Objetiva, Rio de Janeiro, 2011), do jornalista Nelson Motta, Glauber Rocha: cinema, estética e revolução (Paco, Jundiaí, 2016); de Humberto Pereira Rocha; Walter Lima Júnior (Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2002), de Carlos Alberto Mattos; Joaquim Pedro de Andrade, primeiros tempos (Alameda, São Paulo, 2013), de Luciana Corrêa de Araújo; e O cinema-poesia de Joaquim Pedro: passos da paixão mineira (Appris, Curitiba, 2016), de Meire Oliveira Silva. Também destacamos Helena Solberg: do Cinema Novo... ao contemporâneo, de Mariana Tavares (editora da autora, Belo Horizonte, 2014). Também destacamos a tradução da obra da brasilianista Darlene J. Sadlier, intitulada Nelson Pereira dos Santos (Papirus, Campinas, 2012). Sobre o cineasta Humberto Mauro, consagrado pelo Cinema Novo, dois trabalhos focados, principalmente, em sua produção documental — até então pouco estudado —, se destacam: Humberto Mauro e as imagens do Brasil (Unesp, São Paulo, 2004), de Sheila Schvarzman, e Humberto Mauro, cinema, história (Alameda, São Paulo, 2013), de Eduardo Morettin, ambos frutos de pesquisas acadêmicas. Em relação a dois documentaristas pioneiros do cinema brasileiro, o major Luiz Thomaz Reis e Silvino Santos, são dedicados os livros A imagética da Comissão Rondon: etnografias fílmicas estratégicas (Papirus, Campinas, 2001) de Fernando de Tacca, e Silvino Santos: o cineasta do ciclo da borracha (Funarte, Rio de Janeiro, 1ª edição em 1999 e EDUA, Manaus, 2ª edição em 2007) de Márcio Souza.
Ao cineasta, produtor e ator cômico Amácio Mazzaropi lhe são dedicados vários livros, alguns inclusive por ocasião de seu centenário de nascimento comemorado em 2012. Assim, citamos Mazzaropi: a imagem de um caipira (SESCSP, São Paulo, 1994), organizado por Andréa Cristina Bisatti; Mazzaropi: o jeca do Brasil (Átomo, Campinas, 2002), de Glauco Barsalini; Mazzaropi: o caipira mais caipira do Brasil (Ilelis, São Paulo, 2009), do cineasta Galileu Garcia, que colaborou em alguns filmes de Mazzaropi; 100 anos depois: a história de Mazzaropi (Nelpa, São Paulo, 2013), de José Daher, vulgo Zé Paraibuna; e O jeca coronel e a invenção do caipira paulista nas telas de cinema (Multifoco, Rio de Janeiro, 2015), de Thaís Valvano. Ainda no âmbito do cinema popular, destacamos Maldito: a vida e o cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão (Editora 34, Rio de Janeiro, 1998), de André Barcinski e Ivan Finotti, a biografia do “pai do filme de terror brasileiro”, um livro que se transformou em cult, assim como os seus filmes para as novas gerações de fãs do gênero no Brasil. Também no âmbito da Boca do Lixo paulistana é dedicado o livro O cinema e a crítica de Jairo Ferreira (Alameda, São Paulo, 2012), de Renato Coelho. Sobre o singular cineasta Mário Peixoto se destacam os livros Jogos de armar: a vida do solitário Mário Peixoto - o cineasta de Limite (Lacerda Editores, Rio de Janeiro, 2000), de Emil Castro, e Escritos sobre cinema (Aeroplano, Rio de Janeiro, 2000), organizado e comentado por Saulo Pereira de Mello, que reúne textos do próprio Mário Peixoto, incluindo a famosa crítica de Limite falsamente atribuída a Eisenstein, que supostamente teria assistido ao filme na Europa. Pela primeira vez, o texto foi publicado sob o nome de seu verdadeiro autor, ou seja, o próprio cineasta Mário Peixoto. Também citamos Walter Salles: uma entrevista (Cineclube da Feira, Santa Maria da Feira, 2002), de Carlos Heli de Almeida, e Câmera-faca: o cinema de Sergio Bianchi (Cineclube da Feira, 2004), de João Luiz Vieira. Não podemos deixar de citar, em relação a esse tópico, a já abordada Coleção Aplauso, publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, na qual podemos encontrar dezenas de títulos dedicados a realizadores nacionais.
Em relação a textos de autoria de cineastas brasileiros, destacamos os ensaios Cinemancia (Imago, Rio de Janeiro, 2000) e Deslimite (Imago, 2011), ambos de Julio Bressane. De caráter mais testemunhal, citamos O povo fala: um cineasta na área de jornalismo da TV brasileira (Senac, São Paulo, 2002), de João Batista de Andrade, e Vida de cinema: antes, durante e depois do Cinema Novo (Objetiva, Rio de Janeiro, 2014), de Cacá Diegues.
Sobre cineastas estrangeiros há um amplo leque, mas destacamos os seguintes títulos - entre eles, algumas traduções: O cinema de Quentin Tarantino (Papirus, Campinas, 1ª edição em 2011 e 2ª edição em 2015), de Mauro Baptista; A nouvelle vague e Godard (Papirus, Campinas, 2012), de Michel Marie; Godard, imagens e memórias: reflexões sobre história(s) do cinema (EdUFBA, Salvador, 2011), organizado por José Francisco Serafim; O estranho mundo de Tim Burton (Casa da Palavra-Leya, Rio de Janeiro, 2015), de Paul A. Woods; A paisagem no cinema de Wim Wenders (Contra Capa, Rio de Janeiro, 2014), de Índia Mara Martins; Olhar o mar - Woody Allen e Philip Roth: a exigência da morte (Verve, Rio de Janeiro, 2015), de Maria Caú - entre muitos outros. De caráter mais ensaístico, temos O cinema errante (Perspectiva, São Paulo, 2013), de Luiz Nazário - livro sobre Alberto Cavalcanti, Glauber Rocha e David Perlov, todos eles cineastas que partiram do Brasil para o exílio, o que abre espaço para reflexões sobre cinema e identidade. No entanto, o principal livro de Nazário é, sem sombra de dúvida, Todos os corpos de Pasolini (Perspectiva, São Paulo, 2007), considerado uma das obras mais importantes no Brasil dedicada ao cineasta italiano, ao abordar o seu pensamento e a sua obra a partir do brutal assassinato do cineasta e poeta. Também destacamos a Coleção Mostra da extinta editora paulistana Cosac Naify, relacionada ao principal evento cinematográfico da cidade de São Paulo (a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo). Dentre seus títulos, encontram-se Pier Paolo Pasolini (2002), de Maria Betânia Amoroso; Aleksandr Sokúrov (2002), de Álvaro Machado; O anticinema de Yasujiro Ozu (2003), de Kiju Yoshida; Amos Gitai: percursos, exílios e territórios (editado em parceria com a FAAP, São Paulo, 2003), de Serge Toubiana; Abbas Kiarostami (2004), de Youssef Ishaghpour; Manoel de Oliveira (2005), organizado por Álvaro Machado; À espera do tempo: filmando com Akira Kurosawa (2010) de Teruyo Nogami; Conversas com Woody Allen (2008), de Eric Lax; Conversas com Scorsese (2011), de Richard Schinckel; Conversas com Kubrick (2013), de Michel Ciment; O mundo de Jia Zhangke (2014), organizado por Jean-Michel Frondon e Walter Salles; e Lanterna mágica: autobiografia de Ingmar Bergman (2013) de Ingmar Bergman.
Coletânea de críticas
Neste tópico, destacamos as coletâneas de artigos feitos por críticos de cinema brasileiros. Aqui, frisamos o trabalho primoroso que é a edição Revista de cinema: antologia (1954-1957/1961-1964) (Azougue, Rio de Janeiro, 2014), em dois volumes, organizado por Marcelo Miranda e Rafael Ciccarini, que reúne textos dessa importantíssima revista de cinema editada em Belo Horizonte nos anos 1950 e começo dos 1960. Sobre críticos em particular, citamos Olhar crítico: 50 anos de cinema brasileiro (IMS, Rio de Janeiro, 2010), de Ely Azeredo; Um filme por dia: crítica de choque (1946-73), organizado pelo jornalista Ruy Castro, que reúne críticas de Antônio Moniz Vianna, fundador da Cinemateca do MAM e considerado o principal crítico carioca dos anos 1940 aos 1960; Telégrafo visual: crítica amável de cinema (Rio de Janeiro, Editora 34, 2004), de David E. Neves, organizado por Carlos Augusto Calil; e Relembrando o cinema pernambucano: dos arquivos de Jota Soares (Recife, FJN, 2006), organizado por Paulo C. Cunha Filho, que reúne as críticas de Jota Soares, pioneiro do cinema em Pernambuco. Destacamos a reedição de Trajetória crítica (São Paulo, Martins Fontes, 2011), de Jean-Claude Bernardet, livro originalmente lançado nos anos 1970, no qual o professor e pesquisador reúne suas críticas, inclusive do começo de sua carreira jornalística no início dos anos 1960 - muitas delas, com comentários do próprio autor, em muitos dos quais não foge de uma profunda autocrítica. Em relação a autores estrangeiros, destacamos a primeira tradução no Brasil de uma obra do crítico francês Serge Daney, intitulada A rampa: Cahiers du Cinéma 1970- 1982 (São Paulo, Cosac Naify, 2007), assim como as obras Orson Welles (Rio de Janeiro, Zahar, 2005) e Charles Chaplin (Rio de Janeiro, Zahar, 2006), ambas de André Bazin.
Teoria do cinema
Podemos afirmar que o crescimento dos estudos sobre cinema e audiovisual, ocorrido na virada do século, promoveu um maior interesse por parte do mercado editorial por obras dedicadas à reflexão sobre o espetáculo e a narrativa cinematográfica e suas inter-relações com práticas sociais e outras mídias. Não por acaso, podemos encontrar um esforço de atualização dessas teorias, por intermédio de traduções de autores estrangeiros contemporâneos, assim como reflexões preocupadas em também incorporar a produção audiovisual brasileira.
Um desses primeiros estudos no novo século é um livro que se tornou referencial na área acadêmica brasileira, ao relacionar estudos sobre Griffith e melodrama, assim como a abordagem da obra do dramaturgo Nelson Rodrigues pelos cinemanovistas. Trata-se do livro O olhar e a cena: melodrama, Hollywood, cinema novo, Nelson Rodrigues (Cosac Naify, São Paulo, 2003), de Ismail Xavier. Por sua vez, ao tomar como base filosófica a fenomenologia para pensar o cinema e, por conseguinte, dialogar com uma tradição teórica francesa sobre a sétima arte, Fernão Ramos publicou A imagem-câmera (Papirus, Campinas, 2015). Aliás, sob a coordenação de Ramos foi realizado o esforço de coletar textos teóricos recentes sobre cinema, dando corpo às obras referenciais Teoria contemporânea do cinema - volume I: pós-estruturalismo e filosofia analítica (Senac, São Paulo, 2005) e Teoria contemporânea do cinema - volume II: documentário e narratividade ficcional (Senac, São Paulo, 2005), e traduzindo pela primeira vez no Brasil artigos de autores contemporâneos importantes, como David Bordwell, Bill Nichols, Noël Caroll, Roger Odin, Edward Buscombe, entre outros. Podemos afirmar que essa coletânea organizada por Ramos atualiza o já clássico livro A experiência do cinema: antologia (Graal, Rio de Janeiro, 1983), organizado por Ismail Xavier, com textos de Münsterberg, Eisenstein, Vertov, Bazin, Metz, Laura Mulvey, entre muitos outros.
É sintomático que a expressa maioria de livros sobre teoria do cinema publicados recentemente no Brasil estejam sob a curadoria desses dois importantes pesquisadores. Estamos nos referindo à Coleção Cinema, Teatro e Modernidade da editora Cosac Naify, sob a tutela de Xavier, e à Coleção Campo Imagético da editora Papirus, coordenada por Ramos. Do catálogo de ambas as coleções, fazemos os seguintes destaques: da Cosac Naify (São Paulo), O cinema e invenção da vida moderna (2004), organizado por Leo Charney e Vanessa R. Schwartz; Crítica da imagem eurocêntrica: multiculturalismo e representação (2006), de Robert Stam e Ella Shohat;, O ornamento das massas (2008), de Siegfred Kracauer; Cinefilia (2010), de Antoine de Baecque; Suspensões da percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna (2013), de Jonathan Crary; O que é o cinema? (2014), de André Bazin; Pensar o cinema: imagem, ética e filosofia (2015), organizado por Gerardo Yoel; pela Papirus (Campinas), temos As teorias dos cineastas (2004) e Moderno?: Porque o cinema se tornou a mais singular das artes (2007), ambos de Jacques Aumont; Figuras traçadas na luz: a encenação no cinema (2009), de David Bordwell; Introdução ao documentário (6ª edição em 2016), de Bill Nichols; O documentário: um outro cinema (2011), de Guy Gauthier; Cinema/Deleuze (2013), organizado por André Parente; A fábula cinematográfica (2013), de Jacques Rancière; O filme-ensaio: desde Montaigne e depois de Marker (2015), de Timothy Corrigane; e O fim do cinema? uma mídia em crise na era digital (2016) de André Gaudreault e Philippe Marion.
Outra editora que ganhou destaque nos últimos anos ao lançar obras voltadas à teoria do cinema e da imagem é a carioca Contraponto, da qual podemos citar As distâncias do cinema (Contraponto, Rio de Janeiro, 2012) e O destino das imagens (2012), ambos de Jacques Rancière; Filme: por uma teoria expandida do cinema (2014), de Philippe-Alain Michaud; Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX (2012), de Jonathan Crary; Mídias ópticas (2016), de Friedrich Kittler; A imagem sobrevivente: a história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg (2013), de Georges Didi-Huberman; entre outros. Por último, mencionamos a ação da editora da Universidade Estadual de Campinas em traduzir duas obras de David Bordwell - no caso, Sobre a história do estilo cinematográfico (Unicamp, Campinas, 2013) e A arte do cinema: uma introdução (Unicamp, Campinas, 2014), este último em parceria com Kristin Thompson.
Considerações finais
O começo do século XXI foi marcado pela ampla expansão do ensino universitário no Brasil, conforme as políticas públicas implantadas durante os dois governos presidenciais de Lula. No entanto, podemos assistir a essa expansão no campo do cinema e audiovisual já no final da década de 1990, quando foram criados vários cursos de graduação na área, devido a um forte interesse pelo tema, vinculado ao reerguimento da produção audiovisual nacional, e pelo barateamento dos custos de produção por conta da tecnologia digital. Por sua vez, os programas de pósgraduação têm sofrido, de fato, um boom no presente século, o que acarreta um crescimento exponencial no número de pesquisas voltadas ao cinema, à televisão e ao audiovisual, de modo em geral. Por conta desse cenário, testemunhamos um incremento no mercado editorial brasileiro em relação a títulos voltados aos estudos de cinema e audiovisual, inclusive para atender a uma demanda crescente de estudantes e pesquisadores sobre o tema. Portanto, em comparação ao final do século passado, podemos afirmar que nunca se publicou tanto sobre cinema e audiovisual no Brasil como nos últimos quinze anos. No entanto, é significativo notar que a expressa maioria desses livros é publicada por editoras concentradas na Região Sudeste, especialmente, no eixo Rio de Janeiro-São Paulo.
Frente ao atual tamanho dos estudos de cinema e audiovisual postulamos que ainda é muito pouco o volume das publicações. Porém, acreditamos que tal cenário não deverá sofrer grandes mudanças nos próximos anos devido às recentes dificuldades financeiras sofridas pelas editoras brasileiras, às quais se soma o presente contexto de cortes em editais públicos e auxílios a publicações, o que afeta profundamente as editoras universitárias e imprensas públicas. Não podemos deixar de citar que as agudas mudanças políticas no país desde 2016 confirmam as nossas conclusões, ainda mais se levarmos em conta a inusitada e bizarra fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com o Ministério das Comunicações (MC). Esta medida desagradou a comunidade científica, uma vez que entidades de prestígio da área, algumas mais antigas do que o próprio MCTI, como o CNPq e a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), foram rebaixadas ao status de quarto escalão na reestruturação do novo Ministério, o que significa uma perda considerável de autonomia administrativa e financeira. Em suma, diante do conturbado cenário que se apresentou a partir da derrubada do Governo Dilma, recursos para a educação e pesquisa serão mais escassos. Em 2019, a catástrofe é monumental, diante dos enormes cortes no orçamento das universidades federais e na diminuição drástica do número de bolsas, além de práticas de aparelhamento ideológico-partidário e de denúncias de censura de temas a ser pesquisados e a criação de lista de pesquisadores considerados personas non gratas pelo atual governo. No entanto, assim como o cinema é um feixe de luz que corta uma sala escura, almejamos que a consolidação do campo de reflexão sobre cinema e audiovisual continue, mesmo que seja em tempos turvos.
Notas de rodapé
1Projeto desenvolvido por Danielle Christine Leite Ribeiro e Alessandra Meleiro, ambas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Guilherme Carvalho da Rosa da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Luciana Rodrigues Silva da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), no âmbito do Projeto Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2 Os cursos de licenciatura no Brasil, que outorgam o título acadêmico de Licenciado aos seus egressos, são equivalentes aos chamados cursos de professorado em países hispânicos, ou seja, são cursos voltados para a formação de professores.
3 Dados retirados do Relatório de avaliação trienal 2010-2013 da área de ciências sociais aplicadas I da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
4 Trata-se dos PPGs em Meios e Processos Audiovisuais da Universidade de São Paulo (USP) — o único com mestrado e doutorado —, a Pós-Graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e o Mestrado Interdisciplinar em Cinema da Universidade de Sergipe (UFS), em Aracaju, ofertado a partir de 2015. Para fins de atualização, em 2019, devem ser acrescentados o Programa de Pós-Gradução em Cinema e Audiovisual da UFF, com mestrado e doutorado, e o mestrado em cinema e artes do vídeo da FAP-Unespar.
5 Dados retirados da pesquisa de José Inácio de Melo Souza (2003) para o site Mnemocine.
6 Frisamos que a editora Pallas, sediada na cidade do Rio de Janeiro, possui um amplo catálogo voltado para o debate afro-brasileiro.
Referências
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